A nova agenda da reforma da justiça pretende promover não só a firmeza do sistema judicial como a sua simplificação, alcançando a desejável celeridade, justiça e eficiência. Concentrando-nos apenas nos processos criminais, destaca-se a existência de alguns pontos da agenda que merecem uma certa ponderação e atenção, dos quais se destacam: a delação premiada, a fase de instrução, os recursos, a implementação da inteligência artificial no sistema judiciário, os megaprocessos, regulamentação do lóbi, entre outros.

Sendo o combate à corrupção uma das prioridades deste Governo, a sua prevenção e repressão jamais poderá ser levada a bom termo sem uma concretização eficaz da proteção do denunciante como pedra angular do sistema. É sabido que o denunciante, para beneficiar de proteção jurídica necessita de estar de boa-fé e ter fundamento sério para crer que as informações recolhidas são, no momento da denúncia ou da divulgação pública, verdadeiras. É, contudo, importante aferir se a proteção concedida tem a robustez necessária para garantir a segurança de quem denuncia e de terceiros com estes relacionados – temos as nossas dúvidas, pois o diploma comporta algumas fragilidades.

A proteção do denunciante sustenta-se, essencialmente, quer na garantia do seu anonimato, na proibição de retaliação e na proteção jurídica, admitindo, porém, exceções nomeadamente no que respeita à divulgação da sua identidade. Esta é permitida “na decorrência de uma obrigação legal ou decisão judicial” e pode ter lugar sem o conhecimento do denunciante “nos casos em que a prestação dessa informação ao denunciante comprometer as investigações ou processos judiciais correlacionados”.

A violação do princípio da certeza, confiança e segurança jurídicas acontece pelo facto de tais exceções se sustentarem em conceitos vagos e indeterminados sem a indicação de quaisquer critérios objetivos para a sua concretização. A proibição de retaliação constitui um dos pilares do regime de proteção, porém, a lei estabelece um prazo-limite de apenas dois anos para que quaisquer atos praticados contra o denunciante ou terceiros com ele relacionados sejam enquadrados como tal.

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Considerando a morosidade da investigação criminal é de concluir que o prazo de dois anos seja manifestamente insuficiente, sendo o denunciado deixado, após esse período, à sua sorte e com o pesado fardo de fazer prova de que o ato ou omissão praticados constituem a retaliação cuja proibição é tão aclamada. É conferido ao denunciante a faculdade de requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso por forma a evitar a verificação ou expansão dos danos, remetendo o diploma para o disposto na lei criminal e civil sem, contudo, as concretizar.

Quanto à proteção jurídica permanece, ainda, por esclarecer o período durante o qual denunciante e/ou terceiros beneficiarão dessa proteção e se esta abrange qualquer processo por si ou contra si instaurado(s) mesmo após o período de dois anos que a lei estabelece como presunção legal para o acto ser enquadrado como retaliação.

Quanto à certificação do estatuto de denunciante, admite-se que a sua regulamentação – ainda em falta – se aproxime do estatuto da vítima sugerindo-se, à semelhança do que acontece com o crime de violência doméstica, a criação de uma unidade judiciária especializada que garanta a pronta resposta em casos de manifesta gravidade – de outra forma, é caso para dizer que as boas intenções têm sido a ruína do mundo!