A reposição dos dois feriados religiosos votada pelos partidos da esquerda deve merecer ponderação por parte da Igreja. É que não se trata de reaver algo retirado indevidamente pelo governo anterior ou de uma dívida que quanto mais depressa for saldada tanto melhor. A eliminação desses feriados em 2012, feita em consonância com a Igreja, deveu-se a razões circunstanciais, nomeadamente a bancarrota do país, que obrigaram a um pedido de resgate financeiro. A reposição deve obedecer a critérios religioso-litúrgicos, socio-culturais e patrióticos e não ao populismo de uma coligação governamental preocupada sobretudo em reverter as medidas do governo anterior.
Dos feriados religiosos possíveis de eliminação, o do Corpo de Deus era o que menos problemas litúrgicos levantava e o que mais prejudicava economicamente o país. Caindo sempre a uma quinta feira, dava azo a uma ponte que, em certos anos, próxima do feriado nacional de 10 de Junho e do feriado municipal lisboeta de 13 de Junho, configurava umas mini-férias. Há festas religiosas bem mais importantes e com mais tradição eclesial que já não são feriados, como a Epifania ou a Ascensão, celebradas agora nos respectivos Domingos. Há países de tradição católica onde o Corpo de Deus não é feriado, e que, por sua vez, têm outros feriados religiosos inexistentes em Portugal. A devoção generalizada do Lausperene nas dioceses e paróquias portuguesas cumpre cabalmente os objectivos religiosos do Corpo de Deus.
De um ponto de vista social e cultural é sabido que em muitas terras, pelo país fora, há procissões do Corpo de Deus, mas não se pode dizer que seja um fenómeno de grande relevo social, sobretudo comparando com outras festas, como a dos padroeiros e santos de veneração local e regional, com ou sem feriado municipal. As festas marianas de Fátima têm muito mais relevância social e cultural pelo país e não são feriados.
Não deixa de ser contraditório que partidos que votaram a completa liberalização do aborto votem a reposição da festa do Corpo de Deus. Seria puro cinismo, não fosse a atenuante evangélica de não saberem o que fazem.
O feriado de Todos os Santos é muito diferente. Foi um pecado a Igreja Portuguesa ter sacrificado este feriado de 1 de Novembro ao da Assunção de 15 de Agosto. Liturgicamente muito superior, era e é uma data de altíssimo relevo na vida de milhões de portugueses, praticantes e não praticantes. É que na celebração de Todos os Santos, a Igreja militante celebra em Portugal também a Igreja penitente dos fiéis defuntos. Nesse feriado, de 1 de Novembro, centenas de milhares de portugueses deslocam-se dos grandes centros, de Lisboa e Porto, às aldeias da província para as romagens aos cemitérios. Ignorar isso é ignorar a fé e a prática religiosa do povo português. É na festa de Todos os Santos que os portugueses professam, de uma forma talvez única no mundo, a união universal das 3 igrejas, a triunfante, a militante e a penitente. De facto, qual a igreja em Portugal que não conta nos seus estandartes a bandeira das almas?
É salutar que a Igreja portuguesa tenha o sentido de Estado que falta ao actual governo português. Não se confunda período de descanso ou de férias com feriados religiosos. De contrário, ainda poderá suceder que o Bloco de Esquerda venha propor o 13 de Maio como feriado religioso, ignorando que os feriados religiosos obedecem ao preceito do primeiro mandamento da Igreja, o da obrigação dos fiéis na participação eucarística.