A Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) é uma alteração neuro-comportamental do desenvolvimento caracterizada por défices na interação e comunicação social e comportamentos ou interesses restritos, estereotipados e repetitivos. A sintomatologia que caracteriza o autismo expressa-se através de um contínuo de severidade, desde o grau ligeiro ao grau severo, podendo estar associada a um conjunto de outro tipo de perturbações. Os indivíduos com autismo apresentam alterações na interação social, que se traduzem na procura do isolamento social, no estabelecimento de relações instrumentais, na falta de consciência das emoções e dos sentimentos do outro e na dificuldade de imitar ações. São igualmente visíveis alterações nas competências de comunicação verbal e não-verbal, designadamente: alterações ou ausência de linguagem oral; ecolália; uso idiossincrático da linguagem; e alterações na prosódia e na pragmática linguística (American Psychiatric Association, 2013).
É bem conhecido o seu interesse por computadores, equipamentos motorizados, em que a interação com os pares é quase dispensada. Nesse sentido, a equipa interdisciplinar do projeto Robótica-Autismo, pioneiro em Portugal, tem-se dedicado a esta temática. As atividades de investigação desenvolvidas neste projeto envolvem a implementação e teste de ambientes de aprendizagem amigáveis tendo como objetivo a promoção da comunicação social, com diversas modalidades de interação (auditiva, visual) e com robôs. O robô ZECA (nome bem português, acrónimo de Zeno Engaging Children with Autism, fabricado pela Hanson Robotics) tem sido o parceiro de jogo em diferentes estudos com crianças com PEA. As atividades de aprendizagem triádicas (criança, robô e terapeuta/investigador) consideradas englobam a exploração de competências motoras e sensoriais (as noções de cor e formas geométricas, a imitação de movimentos dos membros superiores e inferiores) e a oportunidade de comunicação e expressão de emoções (imitação e o reconhecimento de estados emocionais), utilizando a tecnologia como mediador.
O impacto do robô nas crianças não é facilmente comprovado, sendo percetível que o interesse em relação ao robô depende da criança em questão e esse fator condiciona o sucesso do estudo. Foi possível observar que nem todas as crianças foram capazes de adquirir a competência definida com a introdução do robô, porém, a maioria delas desenvolveu alguma capacidade, seja ela a competência pré-definida, o contacto visual ou o tempo de permanência na atividade. De facto, e salientando mais uma vez, neste público-alvo, esta e outras metodologias de intervenção podem não surtir qualquer efeito.
É possível afirmar que o robô pode ser um facilitador/mediador interessante na interação com crianças com PEA, bem como pode ajudar a captar a atenção e manter a concentração na atividade, promovendo interações triádicas e conduzindo a que estas crianças adquiram novas competências. Sempre utilizado em atividades complementares à intervenção tradicional e ajustadas a cada criança.
A formulação da metodologia experimental a implementar em cada caso e o apoio e envolvimento dos profissionais e dos pais durante a fase de teste é uma peça fundamental no sucesso dos resultados.
Resumindo, ao longo dos últimos 15, 20 anos, vários projetos de investigação têm-se dedicado à utilização de robôs como promotores da interação com crianças com Perturbação do Espectro do Autismo. Estes estudos utilizaram diferentes configurações de robôs, trabalharam diversas competências (académicas, sociais, emocionais e de interação), interagiram com grupos com características distintas. Destes estudos regista-se a pertinência da utilização de plataformas robóticas na interação com crianças com PEA.
Qual o caminho a seguir?
Diríamos, dotar o robô de um comportamento autónomo e adaptado a cada criança e a cada situação. É este o foco atual da nossa investigação Robótica-Autismo.
(American Psychiatric Association, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5ª ed., DSM-5, APA, 2013)
Filomena Soares é Professora no Departamento de Eletrónica Industrial e Investigadora no Centro Algoritmi da Universidade do Minho. Um dos focos da sua investigação tem sido colocar a tecnologia como promotora do bem-estar das pessoas, em especial, usando robôs e jogos sérios para comunicar com crianças com perturbação do espectro do autismo; usando jogos sérios na reabilitação motora e cognitiva; usando sistemas sensoriais para monitorizar pessoas com deficiência física. Novas metodologias de ensino/aprendizagem, em particular b-learning, e a diversidade de género, em particular, o equilíbrio (ou desequilíbrio) de género em engenharia têm merecido a sua atenção. É membro de várias organizações técnicas e científicas, com responsabilidade de gestão nalgumas, a saber, o Grupo de Afinidade IEEE Women in Engineering (WIE), da qual foi co-fundadora e presidente; Presidente da Associação Portuguesa de Controlo Automático (APCA) em 2017-2018; atualmente é membro da direção da Sociedade Portuguesa para a Educação em Engenharia (SPEE).
O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõem o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.