Os Cavaleiros de Colombo, uma associação católica de leigos com mais de 2 milhões de membros, decidiram, no passado dia 11, ocultar os painéis de duas capelas – no Santuário Nacional de São João Paulo II, em Washington D.C., e na sua sede, em New Haven, Connecticut – da autoria do Padre Marko Rupnik, ex-membro da Companhia de Jesus (CNA/Infocatólica, 12-7-2024).

Rupnik é mundialmente famoso pelos seus mosaicos, que decoram, por exemplo, a capela Redemptoris Mater, no Vaticano, onde São João Paulo II costumava assistir, com a cúria pontifícia, aos exercícios espirituais da Quaresma.

A decisão de ocultar essas obras do P. Rupnik, que foi tomada depois de terem sido consultados teólogos, peritos em arte e algumas vítimas de abusos por membros do clero, já está a ter repercussões em países em que também há imagens religiosas do mesmo sacerdote. A razão desta cada vez mais generalizada atitude decorre das gravíssimas acusações que sobre o padre artista pendem há já vários anos e que, em última análise, podem implicar a sua redução ao estado laical e, até, a sua excomunhão.

O caso Rupnik foi notícia em Outubro de 2018, quando constou que o então jesuíta teria absolvido, em sede de confissão sacramental, uma religiosa com a qual teria cometido um pecado grave contra a castidade. A absolvição do cúmplice, em faltas desta natureza, é punida com a excomunhão latae sententiae, ou seja, automática. Ante esta gravíssima acusação, a Companhia de Jesus realizou uma investigação que concluiu pela prática desse crime.

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Em Julho de 2019, a então Congregação para a Doutrina da Fé solicitou à Companhia de Jesus que instaurasse um processo penal contra Rupnik. Em Janeiro de 2020, os juízes, todos alheios a essa instituição religiosa, concluíram, por unanimidade, que o P. Marko Rupnik era culpado. A Doutrina da Fé declarou então que o dito religioso estava excomungado, mas, surpreendentemente, duas semanas depois, absolveu-o desta pena.

Em Julho de 2021, por causa de novas acusações contra Rupnik e membros da Comunidade Loyola, por ele fundada na Eslovénia, de onde é natural, o Superior Geral dos jesuítas impôs-lhe restrições e solicitou que o Dicastério para a Doutrina da Fé instaurasse um processo penal contra o referido sacerdote, que não se chegou a realizar, porque o dito Dicastério entendeu que o alegado crime já tinha prescrito.

A 2-12-2022, a Companhia de Jesus voltou a punir este seu membro, por novos abusos de mulheres. Ficou então proibido de exercer alguns actos do ministério sacerdotal e de participar, sem licença superior, em actividades públicas. No dia 13, uma das alegadas vítimas do padre ceramista declarou que não descansaria “até que a história fosse completamente esclarecida”. Três dias mais tarde, em Roma, alunas do Centro Aletti, por ele fundado, revelaram que foram alegadamente vítimas de abusos do referido religioso.  A 19, mais uma mulher o denunciou por a ter obrigado a “uma descida aos infernos”. No dia seguinte, D. Daniele Libanori, Bispo auxiliar de Roma, confirmou a acusação.

No dia 23 de Dezembro de 2022, dois projectos de capelas, em Madrid e Roma, foram retirados a Rupnik. Por sua vez, a diocese francesa de Versalhes anunciou, nessa data, que dava por concluída a colaboração com o referido jesuíta.

A 21 de Janeiro de 2023, Rupnik pediu a demissão da Companhia de Jesus, que não lha concedeu e que lhe impôs novas restrições, depois de uma nova denúncia de mais 15 casos de alegados abusos. A 5 de Março de 2023, em aberta transgressão das medidas que lhe tinham sido impostas, celebrou a Missa numa basílica romana, prosseguindo depois com os seus projectos artísticos e viagens, em flagrante desobediência ao mandato dos seus superiores. Finalmente, a 15 de Junho de 2023, o P. Johan Verschueren, superior jesuíta do P. Marko Rupnik, anunciou a sua expulsão da Companhia de Jesus, devido à sua “reiterada recusa” em se emendar e cumprir as sanções impostas. Rupnick foi então admitido, como sacerdote diocesano, na diocese de Koper, na Eslovénia.

A 18 de Setembro de 2023, o Cardeal Vigário de Roma, que administra a diocese em nome do Papa, que é, por inerência, o seu Bispo, divulgou as conclusões da visita canónica ao Centro Aletti, que, por branquearem a responsabilidade do P. Rupnik, causaram a consternação das supostas vítimas dos abusos sexuais e espirituais. Ante essa reacção, o Papa Francisco interveio, suspendendo a prescrição do caso e ordenando a intervenção do Dicastério para a Doutrina da Fé.

Na iminência de uma nova e definitiva condenação de Marko Rupnik, o Bispo de Lourdes, em França, D. Jean-Marc Micas, declarou que os mosaicos de que o presbítero esloveno é autor, na Basílica de Lourdes, poderão ser retirados, por respeito para com as vítimas de abusos.

É objectiva a qualidade das criações artísticas de Rupnik, mas pode-se dissociar a criatura do seu criador? A exposição pública de obras de um artista redunda na sua exaltação ou, pelo menos, aceitação. À Igreja, como à mulher de César, não lhe basta ser honesta, deve também parecê-lo. Aos baptizandos exige-se que renunciem ao maligno e a todas as suas obras. A arte sacra deve unir a beleza artística à elevação moral e sobrenatural. Uma criação de Rupnik provoca a devoção que é suposto inspirarem as imagens dos templos religiosos? Não é verdade que as obras de quem atentou, grave e reiteradamente, contra a dignidade dos fiéis são uma profanação da casa de Deus, um escândalo para os fiéis e uma ofensa para as vítimas? Se Jesus correu à chicotada com os vendilhões no templo de Jerusalém, o que não faria às obras de um abusador reincidente?!

Foi em todo o momento irrepreensível a atitude da Companhia de Jesus para com este seu ex-membro, mas não assim o Dicastério para a Doutrina da Fé, de que se aguarda agora o veredicto final. Na nova Basílica da Santíssima Trindade, em Fátima, o retábulo principal é também de Rupnik. Deverá este Santuário poupar às vítimas de abusos a dolorosa provocação de ver, naquele lugar abençoado pelas aparições da Santíssima Virgem Maria, a presença artística de alguém cuja vida é, desgraçadamente, a negação viva desta devoção e mensagem?!