À margem das Europeias que tiveram ontem o seu desfecho, e apesar de uma campanha mais virada para dentro, há um escrutínio que tarda em ser feito ao envolvimento e à responsabilidade de quem governou, e se comporta como se nada tivesse a ver com a sua actuação, enquanto decisor e governante.

Foi assim com Sócrates, que deixou o País “de tanga”, em 2011, sujeito à emergência da troika e à austeridade imposta por um memorando assinado, “in extremis”, para viabilizar o financiamento dos cofres do Estado vazios.

E está a ser assim em 2024, quando parece natural que o governo cessante tenha deixado a imigração num caos, com mais de  400 mil pessoas em fila de espera para regularizar a sua situação; o SNS em ruptura, de urgências fechadas, e consultas e cirurgias adiadas; o Ensino público  contaminado  pela “ideologia do género”, e por directivas facilitadoras para compor o ramalhete da estatística; a Justiça, em autogestão, com processos que se acumulam e se  arrastam anos a fio, sem que se vislumbre o seu epílogo (o ex-ministro Manuel Pinho viu-se agora condenado por corrupção, com pena pesada, após o respectivo inquérito ter sido aberto em 2012…); e, até,  a Defesa, com uma aflitiva escassez de efectivos, a par de equipamento e de instalações em estado de obsolescência .

Mas hoje, tal como a seguir às contas negativas de 2011, ouvem-se ex-governantes a agir e a falar como se a sua acção tivesse sido imaculada, sacudindo “a água do capote” com enorme ligeireza.

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Pedro Nuno Santos, Marta Temido, João Costa, ou Ana Catarina Mendes, para não mencionar outros actores políticos socialistas, que foram protagonistas e devem explicações ao País, aprenderam a arte de se dissimularem, como se fossem vítimas de uma amnésia selectiva.

Outros, a começar por António Costa, primeiro responsável, sentem-se tão à-vontade que até se dão ao luxo de enveredarem pelo protagonismo em programas políticos nas televisões, uma originalidade muito portuguesa.

Por vezes, nem sequer respeitam um “período de nojo”, nessa mudança de estatuto, evitando pronunciar-se sobre opções de fundo ou sectores que tutelaram até há bem pouco. E tudo isto acontece perante uma espécie de indiferença colectiva, com um “encolher de ombros” ou um bocejo. .

Se o dossiê imigração, juntamente com a barafunda da AIMA que substituiu o “defunto” SEF, é uma das marcas mais visíveis de uma governação atabalhoada, a personalidade de Augusto Santos Silva, ex-presidente da AR e ex-ministro de várias pastas, que emergiu novamente para “malhar na direita”, constitui um “study case” a merecer biógrafo encartado.

Em vez de cumprir o seu prometido regresso à academia, Santos Silva entrou de rompante na campanha eleitoral do partido e teve o topete de acusar o governo de “ocupação partidária do Estado” e de estar “a diminuir a força e robustez do SNS para criarem novas oportunidades de negócio para os privados”. E , sem “medo das palavras”, ainda lhe sobrou tempo para criticar ”o risco de desequilíbrio orçamental “.

Como diz o povo, “é preciso ter lata“… Convirá, por isso, refrescar a memória, sobre os seus antecedentes e percurso político.

De facto, Santos Silva que hoje recita e gaba as “contas certas” – lançando a suspeita de que esse activo estará em vias de evaporar-se por conta de Luís Montenegro -, foi o mesmo que serviu, fielmente, José Sócrates, e o elogiou e defendeu (ao ponto de lamentar que nunca tenha sido condecorado…), sem uma palavra para o culpar pelo desatino em que lançou o País, nas margens da bancarrota.

Esqueceu, também, Santos Silva que o PS foi mestre na ocupação do aparelho de Estado, plantando, ao longo de vários anos, “boys” e “girls”, amigos e compadres, em postos-chave da administração pública e do sector empresarial do Estado, o que deveria aconselhá-lo a ter um módico de pudor. 

Basta olhar à volta e observar quem são os principais titulares de organismos públicos, onde viceja gente que deve a promoção ao “cartão“ partidário.

Derrotado e humilhado no círculo da emigração fora da Europa pelo Chega, com o qual amiúde conflituou, Santos Silva não resiste a fazer “prova de vida”, quando seria mais sensato retirar-se para a sua Universidade, e jubilar-se em final de carreira, como tantas vezes disse ser o seu desejo maior.

Mas não. Tal como o PS varreu “para debaixo do tapete” as diatribes do actual líder e os enxovalhos a que se sujeitou, também Santos Silva pretende riscar da ardósia o seu comportamento atípico, enquanto presidente do Parlamento, corolário de uma carreira em que foi “pau para toda a obra”, tendo abraçado várias pastas ministeriais, sem se distinguir em nenhuma.

Em resumo: é personalidade que não se recomenda, símbolo de um PS “entalado” entre os dissabores de Sócrates, Costa e Pedro Nuno, sempre disponível para fustigar as oposições.

Tornou-se um homem azedo, ao perceber que falhou a eleição como deputado e que “perdeu gás” na sua protocandidatura para Belém. A História vai ignorá-lo, como, aliás, merece.

A imigração é um tema que queima. Por isso, o governo de António Costa “empurrou com a barriga” a situação, até esta se tornar insustentável, já na vigência de Luís Montenegro.

A “manifestação de interesse” converteu-se no eufemismo escolhido pelo PS para justificar as portas escancaradas, fingindo que se mantinham controladas. Foi, literalmente, um período de S. Bento de “porta aberta” …

Agora, não há AIMA que chegue para proceder à regularização de quem precisa de pôr os documentos em ordem, na esperança de reconstruir a sua vida num País com fama de bom acolhimento.

São imigrantes que representam, afinal, um desafio social e humano – e, também, político -, transferido para Montenegro, que parece disposto a “arregaçar as mangas” para atenuar as incertezas de tanta gente.

O insuspeito António Vitorino, ex-director da Organização Internacional para as Migrações, não foi de meias palavras quando reconheceu, frontalmente, ao lado de Marta Temido em campanha, que a transição do extinto SEF para a AIMA “correu mal, ponto. Não vale a pena mitigar as palavras”, e que se impõe agora corrigir o processo “rapidamente”.

Claro que o “raspanete” atingiu, tanto a ex-ministra Ana Catarina Mendes, a quem coube a tutela da AIMA, como, de algum modo, José Luís Carneiro, que ocupou a pasta da Administração Interna, e que ao estrear-se como “comentador” na CNN Portugal, resolveu privilegiar o tema da imigração – vá lá saber-se porquê -, e, de caminho, abordar as novas competências da PSP, não obstante ter tutelado as forças de segurança até há bem pouco.

Neste contexto, não lhe ficou bem questionar o governo sobre a extinção da dita ”manifestação de interesse” dos imigrantes, que explica, em larga medida, o estado critico a que se chegou na AIMA. Nem sobre as competências atribuídas à PSP.

Como é típico nas hostes socialistas, Ana Catarina procurou alijar responsabilidades ao ser entrevistada na RTP e, ainda, foi capaz de dizer, sem se rir, que   90 por cento das medidas apresentadas pelo Governo para regularizar a imigração constavam da pasta de transição entregue pelo PS.

Já Carneiro, a quem se reconhece um perfil moderado e sentido de equilíbrio, não resistiu à “sereia” da televisão, aceitando desempenhar um papel para o qual não parece vocacionado.  Na estreia do “comentador”, esteve, afinal, o ex-ministro a ser entrevistado…Foi um “peixe fora de água” …

Moral da história: não havia necessidade.

Perante as portas escancaradas, a população imigrante aumentou em Portugal 33% só no ano passado, ultrapassando já o milhão de estrangeiros residentes, segundo dados oficiais, revelados durante a apresentação pelo executivo do Plano de Acção para as Migrações. Em 2015 não chegavam a 400 mil.

Apesar de ser esta a realidade, António Costa e o seu círculo de fiéis recusaram sempre adoptar regras menos permissivas, mesmo sabendo de antemão que não dispunham de condições para corresponder e legalizar um fluxo migratório tão intenso.

O resultado está à vista: acampamentos urbanos improvisados, aumento exponencial dos “sem abrigo”, alojamentos transformados em armazéns de gente amontoada, e uma conflitualidade potencial que está a obrigar a soluções de recurso, como é a de recorrer ao Hospital Militar da Estrela para acolhimento provisório.

Quando a ideologia e a demagogia se sobrepõem ao bom senso o resultado só pode ser o desastre.

De facto, o que se passa com a imigração é inqualificável. Desde logo, a substituição do SEF pela AIMA, à “trouxe-mouche”, com a cumplicidade silenciosa de boa parte dos media, que só agora “descobriram” as filas de imigrantes entregues à sua sorte.

A crónica socialista não se esgota, porém, na barafunda da imigração e no processo acidentado da extinção do SEF.

No histórico do partido, há desde logo dois ex-primeiros ministros, que não fecharam ainda as contas que têm pendentes com a Justiça.

Sócrates (desvinculado, entretanto, de “sócio da agremiação”…),    quer furtar-se, a todo o custo, ao julgamento dos crimes que lhe foram imputados, com a sua defesa empenhada  no esgotamento de prazos e na prescrição dos processos que o incomodam.

Já António Costa, que se demitiu “obviamente”, surpreendido “com a informação de que irá ser instaurado um processo-crime contra mim”, o que não aconteceu, aguarda também o veredicto final da Justiça para se candidatar a um “pedestal“ na Europa, correndo a figurar como “estrela da companhia” num novo canal televisivo, talvez com receio de perder visibilidade.

Enquanto a Justiça “marca passo” em relação a ambos – embora sejam situações que não se confundem -, o actual líder do PS ignorou as apregoadas “linhas vermelhas” e acabou numa “união de facto”  com o Chega, embora sem nunca a assumir, instalando uma espécie de governo paralelo a partir das bancadas de S. Bento, sem grandes abalos de consciência.

Afinal, Pedro Nuno aprendeu a lição da “geringonça” — inventada por Costa e que o salvou da derrota –, encontrando, mais à direita, a mesma “bengala” que as esquerdas nunca negaram ao seu antecessor na liderança do PS.

Se Montenegro sobreviver a tantas “minas e armadilhas” que o PS espalhou no terreno, será um “milagre” a exigir-lhe fé, ainda que não seja crente.

Com sorte, depois das Europeias e passado o Verão, Montenegro e a AD – que ousaram escolher um “cabeça de lista” jovem e ainda isento de vícios partidários -, “arriscam-se” a continuar a governar, se outro “milagre” viabilizar o Orçamento de 2025…