Ouvi hoje que a actual gestão da Santa Casa percebeu que apenas 43% dos imóveis que detém estão a ser rentabilizados e que desses, a rentabilidade é – em tom escandaloso – de 1,9%!

Então vamos ver se ouvi e percebi bem – há falta de habitação e a culpa é dos estrangeiros e dos capitalistas privados que têm casas que ou não utilizam ou que arrendam, imagine-se, a preços de mercado.

E a Santa Casa afinal tem 43% dos seus imóveis devolutos? Sem utilização? Qual é mesmo o propósito da Santa Casa?

E, pasme-se, dos que estão a ser rentabilizados, chegaram a uma rentabilidade de 1,9% – mas o objectivo não é existir oferta com rendas baixas? Ou os privados têm de fazer o papel social do estado enquanto o estado quer maximizar rentabilidades?

Vamos fazer umas contas rápidas – uma casa que custe 400.000€, paga de IMT (Imposto Municipal sobre Transação) e IS (Imposto de Selo) um valor total de  23.029,03€, ou seja, o custo total da casa é de 423.029,03€. Sim, que o Estado sem fazer nada que o justifique nesta transação recebe mais de 20.000€.

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Já agora, um parêntesis para recordar que o Imposto de Selo é o imposto mais antigo do país, criado em 1660 com o objectivo de suprir provisoriamente a falta de receitas do Estado e traduzido na forma física dum selo que era aposto nos documentos. Nada disso já existe mas o imposto, claro, mantém-se.  O mindset do nosso Estado é até evidente neste parágrafo que retiro dum documento da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças (pode ser encontrado aqui) e que transcrevo:

“2.4 Aceitação relativamente fácil pelos devedores do imposto – por outro lado, tratando-se do imposto mais antigo do sistema fiscal português, existe já um hábito de aceitação, tanto mais que as dificuldades na sua correcta aplicação são sentidas não tanto pelos devedores do imposto mas pelas entidades obrigadas à sua liquidação e entrega ao Estado. Como a sua base é muito ampla e o nível das taxas é relativamente baixo, o imposto é facilmente tolerado”.

Gostaram? Pensam, executam e ainda escrevem sobre a nossa reduzida capacidade cognitiva!

Voltemos então ao nosso exemplo da casa arrendada.

Se esta casa for arrendada por 1.200€ (valor de renda razoável para uma casa deste preço), deduzidos os 28% de imposto (sim, o nosso estado está SEMPRE presente), temos um valor de 864€. Excluindo deste cálculo o valor do IMI, das quotas de condomínio e outras despesas que podem ocorrer ao longo do ano e são da responsabilidade do senhorio, estamos a falar duma rentabilidade de 2,4%.

2,4%! É a loucura.

Ou seja, enquanto 1.200€ são de facto um valor de renda elevado para a generalidade dos portugueses, parece-me evidente que quem lucra neste negócio não é o senhorio mas sim o Estado. O senhorio, se considerar o total das despesas e o risco associado, terá de cobrar não o valor de 1.200€ mas um valor bem mais elevado.

E portanto, o privado, que juntou uns trocos com o seu trabalho, devidamente taxado de impostos, e compra uma segunda casa para, quiçá, um dia o salvar da pobre reforma que terá, deve promover rendas baixas, a Santa Casa da Misericórdia, não só tem casas por utilizar, como aparentemente, 1,9% de rentabilidade, é um valor baixo.

Clap, clap, clap…