Sobre o sacerdócio feminino, mais do que a opinião dos clérigos, condicionada pela sua condição masculina, interessa saber o que pensa uma mulher santa e doutora da Igreja, que professava um ardente desejo de ser sacerdote, como Santa Teresinha do Menino Jesus, que nasceu a 2 de Janeiro de 1873 e faleceu a 30 de Setembro de 1897.

– O que é ser religiosa carmelita descalça?

“Ser vossa esposa, meu Jesus, ser carmelita, ser pela minha união convosco, mãe das almas …” *

– Ser religiosa é, portanto, um modo sui generis de ser esposa e mãe. Todas as mulheres cristãs estão chamadas ao casamento e à maternidade: umas, pelo sacramento do matrimónio e a geração da prole; outras, ‘casando’ com Jesus e sendo, pela união com Cristo, ‘mães’ das almas. Mas, não sente também outros apelos vocacionais?

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“Sinto dentro de mim outras vocações: a vocação de guerreiro, de sacerdote, de apóstolo, de doutor, de mártir …”

– Porque gostaria de ser sacerdote?

“A vocação de sacerdote! Com que amor, ó Jesus, vos levantaria nas minhas mãos, quando a minha voz vos fizesse descer do Céu! Com que amor vos daria às almas!”

– E que me diz da vocação de profeta, ou missionário?

“Quisera alumiar as almas, como o fizeram os profetas e doutores, percorrendo o mundo, pregando o vosso Nome e plantando a vossa Cruz gloriosa em terras de infiéis, ó meu doce Amor!”

– E em relação ao martírio?

“Ah! Sobretudo quisera ser mártir. O martírio! Eis o sonho da minha juventude, o sonho que sempre comigo tem ido crescendo na minha celazinha do Carmelo. […] À vossa imitação, meu Esposo adorado, quisera ser flagelada e crucificada num madeiro … Como S. Bartolomeu, quisera morrer esfolada viva; submergida, como S. João, num banho de azeite a ferver. Desejo, como Santo Inácio de Antioquia, ser triturada pelos dentes das feras, para me tornar pão digno de Deus. Como Santa Inês e Santa Cecília, quisera oferecer o pescoço ao alfange do algoz; e, como Joana d’Arc, morrer nas chamas de uma fogueira murmurando o nome de Jesus!”

– Mas, como compaginar tantas e tão diferentes vocações cristãs?!

“Abri um dia as epístolas de São Paulo […] e, relanceando os olhos pelos capítulos 12 e 13 da 1ª epístola aos Coríntios, li o que diz o Apóstolo, que nem todos podem ser ao mesmo tempo apóstolos, profetas e doutores, que a Igreja é composta de membros diferentes e que os olhos não podem ser, a um tempo, mãos.”

– Então, por qual vocação se decidiu, afinal?

“Explica o apóstolo como todos os dons, ainda os mais perfeitos, nada são sem o Amor, e como a caridade é o caminho mais excelente para acharmos a Deus com segurança. Encontrara, finalmente, a quietação de espírito por que aspirava!”

– Mas o amor não é uma vocação específica, mas um mandamento que, por igual, obriga a todos os fiéis?!

“Examinando bem o corpo místico da Igreja, não me tinha reconhecido em nenhum dos membros descritos por S. Paulo, ou melhor, queria reconhecer-me em todos eles. Foi a caridade que me deu a chave da minha vocação; pois nitidamente me mostrou que, se o corpo da Igreja se compunha de membros diferentes, não lhe podia faltar o mais nobre e o mais necessário de todos os órgãos: que tinha, portanto, um coração, e que este coração se abrasava em amor; compreendi mais que o amor era o único motor das acções dos seus membros; que se o amor chegasse a extinguir-se, nem os Apóstolos anunciariam o Evangelho, nem os mártires se ofereceriam para derramar por ele o seu sangue. Fiquei finalmente a entender que o amor era o cofre onde se encerravam todas as vocações, que o amor era tudo, que abrangia todos os tempos e lugares, porque era eterno!”

– Como reagiu a esta descoberta?

“No auge então da minha delirante alegria, exclamei: ‘Ó Jesus, meu amor! Encontrei, por fim, a minha vocação! A minha vocação é o amor! Sim, encontrei o lugar que me compete no seio da Igreja: esse lugar fostes vós que mo destes, ó meu Deus: no coração da Igreja minha Mãe eu serei o amor! … Deste modo serei tudo, e assim se realizará o sonho de toda a minha vida!” 

Enclausurada no seu convento de Lisieux, de onde nunca saiu, Teresa do Menino Jesus foi, afinal, sacerdote, profeta e mártir. Com efeito, na vivência heroica da sua vocação contemplativa, foi motor para todas as vocações eclesiais. Por isso, a Igreja não só a canonizou, como a proclamou doutora da Igreja e, até, padroeira das missões!

Como Santa Teresinha do Menino Jesus, todos os cristãos, mulheres e homens, estão chamados a participar no sacerdócio de Cristo através da sua própria santificação, sem necessidade de que sejam investidos no respectivo ministério. O que mais importa é a vivência da caridade, e não a condição eclesial de leigo, religioso ou sacerdote.

Quem vive a caridade, identifica-se com todas as vocações cristãs, mas quem a não vive, é um membro inútil do Corpo de Cristo, que é a sua Igreja: “ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como bronze que soa, ou como um címbalo que tine. E ainda que eu tivesse o dom da profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e tivesse toda a fé, até ao ponto de transportar as montanhas, se não tivesse caridade, não seria nada. E, ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, e entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tivesse caridade, nada me aproveitaria”, porque “a caridade nunca há-de acabar, mas as profecias cessarão, as línguas cessarão e a ciência será abolida” (1Cr 13, 1-3.8).

*Todas as palavras de Santa Teresa do Menino Jesus são transcrições literais da sua autobiografia (História de uma alma, 12ª edição, Livraria Apostolado da Imprensa, Braga 1990, págs. 258-261).