Com uma abundância relevante ao longo de toda a costa, a sardinha é considerada por muitos portugueses como a espécie rainha das nossas águas, a prata dos nossos mares.

A nobreza destes títulos está associada à sua importância no desenvolvimento de muitas comunidades de pesca ao longo do nosso litoral, cuja verdadeira dimensão pode ser observada nas suas vertentes históricas, culturais e gastronómicas que conferem à pesca da sardinha uma importância económica e social centrada nalguns dos principais portos do nosso País, desde Viana do Castelo até Vila Real de Santo António, com particular destaque para Matosinhos, Figueira da Foz, Peniche, Sesimbra, Sines, Portimão e Quarteira/Olhão, que são atualmente os principais portos nacionais de desembarque de sardinha.

Todos os anos o povo português se mobiliza em torno da sardinha, não há verão sem sardinha, não há festa ou arraial sem a famosa “sardinha assada”, em qualquer canto do país ou em qualquer lugar do mundo onde se encontrem portugueses.

A sardinha é também uma espécie que podemos designar de salva-vidas, dado ser muito rica do ponto de vista nutricional em ómega-3, contribuindo o seu consumo regular para a prevenção de inúmeras doenças cardiovasculares.

Da pesca zero à sustentabilidade

Entre 2006 e 2017, sucessivos baixos níveis de recrutamento da sardinha conduziram a uma progressiva redução da biomassa total de sardinha adulta no conjunto das águas ibéricas, que atingiu o seu mínimo em 2015 com 112 mil toneladas.

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Portugal e Espanha, se nada fizessem, teriam as suas frotas do cerco praticamente sem poder capturar sardinha em 2016. Neste ano o Governo decidiu, e muito bem, reforçar a investigação científica e passar a realizar dois cruzeiros por ano e, com base nos três pilares da sustentabilidade da Política Comum das Pescas, foi possível defender junto da Comissão Europeia a necessidade de manter a pescaria em atividade, mesmo com duras medidas de gestão, que passaram pela diminuição do número de dias de atividade, por prolongados períodos de defeso e por reduções dos limites de capturas diárias por embarcação, entre outras.

Portugal e Espanha, sobretudo a partir de 2018, encetaram, em conjunto, todos os esforços para a melhoria do estado do recurso, submetendo diversos Planos de Gestão à Comissão, o último dos quais em 2021, denominado Plano Plurianual de Gestão da Sardinha Ibérica (2021-2026), que se encontra atualmente em vigor. Este Plano integra uma regra de exploração validada pelo ICES e foi aprovado pela Comissão.

Graças aos esforços e aos sacrifícios dos nossos profissionais da pesca e ao bom trabalho na área da investigação foi possível retomar uma trajetória ascendente de recuperação do stock da sardinha. Os anos de 2021, 2022, 2023 e 2024, traduzem já o cumprimento dos padrões de sustentabilidade determinados pela União Europeia, respeitando os princípios do Rendimento Máximo Sustentável que é uma garantia para uma gestão equilibrada do recurso a longo prazo.

Os dois Países congratulam-se por terem assegurado a total recuperação do stock da sardinha ibérica, objetivo que foi alcançado a partir do ano de 2021, e continuam a assumir conjuntamente a gestão do recurso nas águas atlânticas da Península Ibérica.

É importante salientar que a sardinha ibérica, cujo estado de exploração é avaliado anualmente pelo ICES (Conselho Internacional para a Exploração do Mar), não está sujeita ao regime europeu de Totais Admissíveis de Captura (TAC) e quotas, sendo gerida conjuntamente por Portugal e Espanha. Existem limites anuais de pesca fixados por cada um dos dois países ibéricos, com base num parecer científico anual que elenca diferentes cenários de captura, conforme resulta do Plano Plurianual de Gestão da Sardinha Ibérica (2021-2026)

Para o ano de 2024, Portugal e Espanha acordaram que as suas capturas devem respeitar a aplicação direta da regra de exploração já salientada, que corresponde a um total de 44.450 toneladas. De acordo com a chave de repartição aprovada pelos dois países, a Portugal cabe 66,5% do total e esta proporção é inalterável, tendo em conta que foi fixada com base nas capturas históricas de Portugal e de Espanha.

Assim, para 2024, as possibilidades de captura de sardinha por parte de Portugal são de 29.560 toneladas e de Espanha de 14.890 toneladas.

Gestão participada e certificação de sustentabilidade

A 2 de maio iniciou-se mais uma safra da sardinha, que se espera, como tem acontecido nos últimos anos, seja politicamente bem acompanhada, ao nível técnico e científico, na gestão do stock e das respostas do mercado, muitas vezes diferentes de porto para porto.

Portugal, desde 2010, conta com uma Comissão de Acompanhamento da Pesca da Sardinha, em que participa o setor, através das Organizações de Produtores, os comerciantes de pescado, a indústria conserveira, os sindicatos, a administração (Direção geral dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, que coordena, e Docapesca, Portos e Lotas, S.A.), a investigação (Instituto Português do Mar e da Atmosfera), as Organizações Não Governamentais e como observador, a indústria congeladora. Desde 2016 e tendo em conta a fragilidade da pescaria as reuniões desta Comissão foram sempre acompanhadas pelo membro do Governo responsável pelo setor das pescas, dada a importância socioeconómica da pescaria.

As diferentes medidas de gestão e outras questões associadas à pesca da sardinha foram sempre discutidas e analisadas no âmbito desta Comissão, sendo as decisões tomadas da forma mais consensualizada possível.

Apesar do regime de cogestão só ter integrado a ordem jurídica interna em 2020, o funcionamento e os bons resultados da Comissão de Acompanhamento são um excelente exemplo de gestão participada.

No final do ano de 2022, tendo como ponto de partida o sucesso obtido na recuperação do stock ibérico da sardinha, as Organizações de Produtores do cerco iniciaram, conjuntamente com a indústria de conservas, com a indústria de congelação e com as empresas de distribuição, o processo de certificação MSC “Marine Stewardship Council”, uma certificação de referência em matéria de sustentabilidade, para responder às crescentes preocupações sobre o estado dos recursos e para valorizar a sardinha nas diversas formas como é comercializada, incluindo a sua exportação em conserva.

Este é um processo muito importante que está a ser devidamente acompanhado pelo IPMA, mas, considerando que temos um consumidor cada vez mais exigente, é a garantia de que a pescaria cumpre todas as regras da sustentabilidade e que o recurso se encontra em níveis que permitem a sua igual ou melhor exploração pelas gerações vindouras.

Para que o recurso sardinha se mantenha a níveis compatíveis com a pesca sustentável, para que os mercados deem escoamento ao produto, para que a sardinha seja valorizada como recurso saudável de excelência e obtenha a certificação MSC, que tantos benefícios irá trazer, para que os pescadores aumentem os seus rendimentos, não é possível reverter o caminho já percorrido, mas é essencial manter o acompanhamento cientifico e reforçar o papel das Organizações de produtores na regulação do mercado, porque após ultrapassadas as maiores dificuldades, conhecidos os riscos, e com uma gestão participada quase perfeita, basta melhorar os pontos fracos.