Se existe algo que temos a certeza em política é que nem tudo o que parece é. Sabemos isto conscientes de que nem sempre podemos, por via do nosso exercício de interpretação, entender com clareza e perceber com celeridade o objetivo de uma qualquer intervenção política. Enquanto seres racionais, percebemos que mesmo em busca da mais imparcial interpretação de uma ação política de outrem o nosso julgamento será sempre influenciado em parte ou na totalidade pelas nossas orientações políticas – sejam elas convictas e partidárias ou uma conjugação de ideias fruto da nossa envolvência e contacto com a política. Deste modo, é geralmente expectável que pessoas com orientações políticas diametralmente opostas façam leituras de grande modo distintas sobre um mesmo acontecimento. Cientes de tal facto, é certamente espantoso – ou bastante indicativo – que possamos observar, consistentemente, pessoas politicamente distantes a concordarem sobre uma mesma intervenção política.

Perdoem-me os observadores mais atentos e pasmem-se os restantes é isso que acontece na política em Portugal sobre um denominador comum – a forma de estar do Primeiro Ministro [PM] e dos seus mais fiéis seguidores perante um partido populista e radical. A estratégia do PM é pensada, ininterruptamente cultivada a cada oportunidade, mas não se pode em consciência dizer que é responsável ou benéfica para a democracia em Portugal. O propósito é só um – não há que ter qualquer tipo de receio em afirmá-lo – eternizar o partido no poder. Por via da irresponsável colagem de uma maioria de ações dos partidos à direita e dos seus membros ao partido subentendido acima com o único propósito de descredibilizar essas alternativas, inflando o “monstro” com espaço de antena todas as semanas enquanto faz crer que é o único baluarte capaz na defesa contra o fascismo (o que é não só, mas também uma verdadeira ofensa para todos os que enfrentaram o real e verdadeiro fascismo quando este ocorreu).

Entre os mais variados exemplos desta sua prática regista-se a última insólita tentativa de colagem da Iniciativa Liberal [IL], fruto das alterações internas que esta irá levar a cabo no seguimento do anúncio de João Cotrim Figueiredo. Ainda que os argumentos deste último não sejam os mais credíveis ou esclarecedores face às dinâmicas internas que ocorrem no partido, um exercício honesto leva-nos a concluir que a forma de estar na política que pautou até à data o comportamento da IL e dos seus deputados tudo foi menos um “estilo de luta livre no meio do lamaçal”. Com rigor e honestidade, devemos dar mérito a este partido face ao exponencial crescimento no espaço mediático nacional e com verdade podemos dizer que veio acrescentar valor ao debate político nos últimos anos, tanto assim foi que é hoje a 4ª maior força política. Esta análise é transversal, gostemos ou não das ideias que a IL defende.

A colagem em causa está em linha com a estratégia que muitos já conhecemos, mas é indiscutível o quão anedótica é a mesma levando a debater-se o quão desgastado ou nervoso está António Costa ou qual o propósito último desta sua mais recente intervenção – para além da evidente tentativa de descredibilização. Será que importa criar ruído mediático para que não se falem de outros assuntos que possam ser um incómodo ou que continuem a desgastar a sua já deteriorada credibilidade? Seja por causa da agora necessária privatização da TAP e as cambalhotas políticas que fez [um crime político em toda a sua dimensão]; seja pelo Orçamento de Estado e as suas ocultas nuances; seja o corte nas pensões que apresenta enganosamente aos portugueses; sejam os casos de incompatibilidade, conflito de interesses e a sobreposição à lei que corrói a imagem de inúmeros dos seus ministros; seja o uso abusivo da maioria absoluta que impede o parlamento de um verdadeiro escrutínio (algo contrastante com uma “maioria de diálogo”); seja o estado calamitoso da saúde em Portugal; seja a enternecedora humildade com que debate os mais recentes temas energéticos; seja o apropriar-se do legado da direita das famosas “contas certas” colando esta ao rótulo da austeridade quando o seu executivo tem a carga fiscal em níveis superiores ao do período de intervenção da troika, tendo atingido o ponto mais elevado dos últimos 27 anos em 2021; seja o acentuar de Portugal na cauda da Europa, algo parece cada vez mais notório: o desgaste de António Costa.

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Somente tal pode explicar a sua mais recente intervenção de apoio a Lula – ou talvez a sua tendência de apoio a personalidades duvidosas também o justifique. O antigo número dois de José Sócrates tem de compreender que antes de secretário-geral do Partido Socialista é PM de Portugal e que tal é indissociável da sua imagem e qualquer intervenção pública que tenha. Ao demonstrar antecipadamente o seu apoio a um dos candidatos, colocou em risco qualquer negociação ou contacto futuro caso tivesse ganho outro que não o apoiado, pondo assim em risco o Estado Português. A panóplia de exemplos é já diversa e longa, sendo hoje já expectável e realidade comprovada que António Costa está sempre a mudar de ideias – neste caso parece ter-se esquecido da sua afirmação “nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo” – e se isso até nem o parece incomodar, mais certo é que seja nefasto para a democracia. Ao invés de meter a foice em seara alheia, exigia-se inteligência política e a contenção necessária sobre uma matéria que nada lhe diz respeito, mas o PM preferiu a fraternidade partidária à prudência institucional.

O desgaste da sua imagem, do seu governo e respetivos ministros é natural ao fim de sete anos de exercício consecutivamente minado por casos, polémicas e demissões. Ao dia de hoje, António Costa pode fazer um balanço e rapidamente constatará que são 4,4 milhões de portugueses os que têm rendimentos abaixo do limiar da pobreza, cerca de 80.000 os que emigraram em 2021 e os registos de mortalidade estão em níveis históricos. Por mais que falte à verdade, branqueie factos com tentativas de ilusionismo (suportadas pela máquina de propaganda do Governo e do PS) e atribua todas as culpas à Covid-19, ao contexto de guerra na Europa, à inflação galopante e, claro, a Passos Coelho, nada justifica que o seu legado reformista seja nulo. De facto, é surpreendente porque se nada mudar até lá, António Costa arrisca-se a governar mais do que qualquer outro PM na história, não apresentar um legado positivo, reformista e impactante para Portugal, mas mesmo assim deixar o PS no poder.

Oxalá que algo mude e, até essa altura, já só compra colagens quem quiser.