Para quem vai na A1, em direção ao Porto, após Estarreja (zona de Aveiro), somos contemplados com um painel publicitário da CP que nos sugere que o melhor seria optarmos pela alta velocidade dessa mesma empresa. Essa publicidade, de um “Alfa Pendular”, partilha-nos as boas razões para se eleger o longo curso em detrimento da rodovia: conforto, segurança. Não vou aqui questionar a eficácia da publicidade ou até se faz sentido numa autoestrada, ainda para mais no sítio onde está. Quem está naquele lugar, em direção ao Porto, sabe que apanhará um dos piores troços da ferrovia portuguesa após Espinho em direção ao Porto. A “alta velocidade” é de 50 km/h.
O que esta publicidade não partilha é as boas razões para não escolher o comboio e o longo curso (LC). O utente terá de enfrentar vários desafios. Primeiro, o preço: o LC em Portugal, comparado com outros países, é caro, muito fruto da falta de concorrência. Segundo, os atrasos: se tudo correr bem, se optar pelo comboio, é melhor ir mais cedo para a estação. O mais provável é apanhar o que está atrasado. Terceiro ponto, as greves: mais um pré-aviso de greve no mês de junho, depois de termos estado mais de metade deste ano de greve (no final de abril eram 64 dias de greve, no final de junho poderão ser perto de 90 dias). Ou seja, o mais provável, ainda que paguemos um bilhete caro, e ele possa chegar atrasado, é que ele não apareça.
Ser utente do transporte ferroviário em Portugal é um completo exercício de stress. Quando saímos de casa não sabemos a que horas chegamos ao trabalho. E ao sair do trabalho, se lá chegarmos, não sabemos a que horas regressamos. Desejava uma ferrovia em que não me tivesse de preocupar se tenho ou não comboio. Já ninguém vai ao “site” da CP para consultar os horários dos comboios, vai para consultar os dias das greves. Qual o sindicato desta vez?
A ferrovia está destruída. Pouco serve atualmente. Serviços descoordenados, entre urbano/regional e longo curso. Longe vão os tempos onde chegava a todos os distritos. Relembro que a alta velocidade passa a poucos quilómetros de Bragança, e nós do outro lado da fronteira, sem capacidade para colocar lá um comboio há mais de 30 anos. É possível piorar?
A experiência de andar de comboio deixou de ser agradável. Parabéns aos resistentes… muito provavelmente sem alternativa. São os mais pobres que sofrem. Sem opções. É importante lembrar que o transporte público é um dos motores do elevador social. Quantos ainda conseguem ir para a faculdade por causa do comboio diário? Quantos estudantes do ramal da Lousã deixaram de estudar em Coimbra pelo desmantelamento (2010) daquele ramal? O número de estudantes a ir de comboio tem se mantido ao longo dos anos? Quantos não aceitaram trabalhos pela incerteza do comboio? Quantos perderam oportunidades por não terem a garantia do transporte ferroviário?
A ferrovia era, e falo no passado, um dos poucos instrumentos do avariado elevador social português. Ainda assim funcionou para muitos. Hoje tenho dúvidas que acrescente valor a alguém. Conseguimos ao mesmo tempo ter serviços caros, disfuncionais e que não cumprem.
A destruição da estrutura ferroviária pelos sindicatos, governos e autarquias faz e está a destruir o elevador social já deficiente. Sem ferrovia, um país ainda mais atrasado.
Este é um dos meus desígnios para a maior mobilidade social. Abrir a “players” no mercado de passageiros. Ligações europeias. Ferrovia em todos os distritos.
Lamentamos os incómodos causados…