Esta é a história de um pai alienado.
Num artigo que escrevi com o objetivo de caracterizar os comportamentos e atitudes, normalmente adotados pelo/a pai/mãe alienador/a, sistematizando-os em 28 critérios para identificar a alienação parental ), volto agora a dar o testemunho de Pedro (nome fictício) sobre uma situação de alienação parental cujas atitudes e comportamentos por parte da mãe alienante se podem em parte classificar sob um dos critérios que utilizámos: “Mudar de domicílio para local distante, sem justificação ou pedido de consentimento, com vista a dificultar a convivência com o pai/mãe não residente, com os familiares e amigos deste” (cit. Delgado-Martins, 2024).
Pedro reportou-nos que a fuga da mãe para “longe” se destinou a obstaculizar injustificadamente a relação entre a filha e o pai: “A minha filha vive a 351 quilómetros de mim, uma distância que se tornou um abismo (…) assim que terminámos a relação (…) Nunca pensei que iria ser pai à distância num contexto de alienação parental. Está a ser o maior desafio da minha vida, um desafio para o qual ninguém está preparado”.
Foi uma situação como muitas outras, em que se observa a dificuldade de um pais em lidarem com a separação ou divórcio, nomeadamente a dificuldade de se desvincular do relacionamento anterior, não conseguindo separar a conjugalidade da parentalidade, o que os leva ao envolvimento dos filhos nos seus desacordos destrutivos, em vez de arquitetarem um percurso construtivo da parentalidade, como nos transmitiu Pedro: “a mãe dela decidiu ir viver para longe num ato de vingança por a decisão da separação ter sido minha”.
Esta é uma situação de alienação parental que se revela compatível com outro dos critérios que apresentámos: “Faz comentários desagradáveis ou depreciativos para desqualificar/denegrir a imagem do pai ou mãe alienado diante dos filhos” (cit. Delgado-Martins, 2024). Tal como nos contou o Pedro, a mãe usa um espaço de maior intimidade entre a filha e o pai, que deveria ser de afeto e segurança, para denegrir a imagem do pai, expondo a sua filha a este grave mau trato: “A manipulação estende-se para além das chamadas. Sou acusado de egoísmo e desinteresse, com a minha filha a ouvir, enquanto luto para estar presente. “És um péssimo exemplo de pai”, “A tua desvinculação é assustadora”, acusações que ecoam, ditas com a intenção de me atingir e de influenciar a minha filha”.
Esta é uma situação de alienação parental porque cumpre com um dos outros critérios que avançámos: “Organiza diversas atividades para o dia do convívio, ou desculpas de situações que impedem o convívio, e/ou procura tornar o convívio como o pai ou mãe alienado desinteressante ou mesmo inexistente” (cit. Delgado-Martins, 2024). Pedro testemunhou-nos que: “Nos momentos de entrega nos fins de semana ou férias, a mãe apresenta muitas vezes razões de “última hora” para não me entregar: “uma consulta muito importante que teve de ser marcada na véspera e que só podia ser feita naquele dia”, e acrescentou que cria a incerteza sobre os momentos de convívio: “As férias, que deveriam ser momentos de convívio, foram e continuam a ser marcadas pela incerteza. Por diversas vezes, fiz a longa viagem de 702 km (ida e volta) sem a garantia de que a mãe a entregaria, sempre com o receio de uma nova desculpa, de uma nova manobra para me afastar”. Pedro, referiu-se ainda à desvalorização do tempo de convívio: “Quando a minha filha estava comigo e ligávamos diariamente por vídeo à mãe, a mãe prolongava as conversas, reforçando a sua presença e desvalorizando o meu tempo com ela”, e também à impossibilidade de poder ter um momento de convívio: “A angústia de esperar em vão, a frustração de ser impedido de falar com a minha filha, tornaram-se rotineiras”.
Uma outra característica presente neste caso e para a qual chamámos a atenção do leitor é a de conter comportamento e atitudes em que se “Incute/insinua aos filhos que o pai ou mãe alienada é uma pessoa perigosa” (cit. Delgado-Martins, 2024). A esse propósito, Pedro referiu: “e na maioria das vezes, quando entrega provoca momentos de tensão, chegando a entrar no banco de trás do meu carro e a permanecer lá durante uma hora ao lado da nossa filha, sem sair, prolongando a despedida e dizendo: “Tens de ser forte, o tempo vai passar rápido, liga-me mais logo, sempre que quiseres liga-me”. Frases que repete de uma forma dramática, até a minha filha começar a chorar e a dizer que var ter saudades da mãe. Sendo que nestas situações, e depois de partir comigo a chorar em frente à mãe a minha filha instantaneamente sorria começava a conversar comigo, a dizer que tinha tido saudades minhas e que estava com muita vontade de fazer programas comigo. Tudo isto sem nunca mais falar nas saudades da mãe”.
A mãe da filha de Pedro parece ser um exemplo de uma mãe profundamente alienante cumprindo com mais um dos nossos 28 critérios”: Seduz os filhos em voltar para casa porque tem presentes para lhes dar e/ou dá o dobro ou triplo o número de presentes que a criança recebe do outro pai/mãe, ou incute nos filhos para não aceitarem prendas” (cit. Delgado-Martins, 2024). Pedro contou que durante as videochamadas a mãe dizia à filha coisas como: “quando chegares a minha casa dou-te presentes” etc. Tudo calculado para criar insegurança e desconforto na minha filha e para minar a nossa relação.
Pedro mencionou também que: “As conversas não eram conversas normais eram inquéritos ininterruptos com perguntas sobre o que tinha feito, com quem tinha estado” o que cumpre com outro dos critérios para a definição de uma situação de alienação a que nos reportámos, o da mãe/pai que: “Transforma os filhos em espiões da vida do pai ou mãe alienada” (cit. Delgado-Martins, 2024).
Pedro relata que sempre que a filha demonstrava à mãe que estava feliz em casa do pai, a mãe fazia: “comentários depreciativos sobre a minha casa, a minha família e afirmações como “falta pouco”, o que pode classificar-se como um comportamento alienante em que se “Transmite e faz sentir à criança o seu desagrado quando, de alguma forma, ela manifesta satisfação ou contentamento por estar com o pai/mãe ou com algo com este relacionado” (cit. Delgado-Martins, 2024).
O controlo excessivo dos “horários dos convívios, dos telefonemas e das videochamadas” (cit. Delgado-Martins, 2024). É outro comportamento presente neste caso. Pedro mencionou-nos as videochamadas eram impedidas ou interrompidas:
“As videochamadas, que em tribunal consegui que fossem diárias e obrigatórias e que deveriam ser um elo de ligação, são um campo de batalha. A mãe raramente atende à hora combinada, inventando desculpas: “Está a dormir”, “Não estava perto do telefone”, “Fiquei sem bateria” frases que se repetem com frequência. Apesar de me reorganizar e sugerir alternativas a cooperação é mínima e, muitas vezes, passam dias e dias sem que a minha filha tenha contacto comigo”.
As videochamadas são apenas uma pequena ajuda para mitigar a saudade, para enfrentar a separação da distância imposta por comportamentos alienadores, mas não o suficiente, porque a angústia da distância, a privação do contato físico, a saudade de abraçar e estar com filhos alienados, são muito dolorosas, um sentimento expresso por Pedro: “E apesar de estar constantemente à procura de formas de estar presente não estando, tenho todos os dias de conviver com a angústia que é ser um pai à distância num contexto de alienação parental”.
Nestas circunstâncias, é fundamental e possível que se encontrem soluções para diminuir a distância emocional (apesar da distância física), traduzida pelas saudades de estarem juntos. São soluções associadas a dinâmicas envolventes, de afeto. Pedro contou-nos:
“Tenho-me esforçado de todas as formas para estar presente apesar da distância, criando jogos à distância, animações, dinâmicas à distância organizadas com a professora da escola como teatros em videochamadas no dia do pai, álbuns de fotografias de todos os momentos juntos entre outros. Tudo para evitar que a distância física se transformasse num afastamento emocional e que ou pouco tempo que acabo por estar presente dê espaço para que a alienação aconteça”.
Sobretudo quando os filhos se encontram na presença física do pai/mãe alienador, as crianças e os adolescentes alienados apresentam um discurso em tudo semelhante ao do alienador, numa relação de lealdade para com este, expressando aquilo que este pai/mãe deseja e não aquilo que a criança ou adolescente sente, numa grande limitação à sua liberdade de expressão e de afetos. Como explicitou o Pedro: “Durante muito tempo, a minha filha foi desenvolvendo estes comportamentos duais para, como me explicaram, sobreviver ao contexto de alienação”.
Para além de não terem liberdade de afetos, os filhos alienados vivem numa ambivalência de agressividade, em que sentem, ora que têm que ser agressivos para com o pai/mãe alienado, para agradar ao pai/mãe alienador: “Quando era mais pequena, chegou a perguntar numa videochamada: “O pai é um filho da p…., não é, mãe?”. A mãe, em vez de corrigir, comentou: “És tão engraçada””, ora que querem expressar afetos positivos, com expressões para resgatar o carinho e amor do pai, como nos descreve Pedro: “Logo a seguir a esta pergunta, a minha filha disse-me “adoro-te, pai”, numa tentativa de agradar a ambos”.
As falsas memórias das crianças ou jovens alienados não são mentiras, fantasias ou invenções, são recordações de informações, sentimentos de situações ou momentos desagradáveis que não ocorreram realmente, ou de recordações distorcidas ou fabricadas de eventos que ocorreram de maneira diferente da verbalizada, levando-os a criar uma memória de uma realidade que não é sua. A filha do Pedro tinha falsas informações: “Foram muitas as vezes que a milha filha chegou a minha casa, e depois de entrar no seu quarto e de ver os seus brinquedos e a roupa que já não se lembrava de ter disse a falar sozinha, “afinal o pai tem roupa e brinquedos… a mãe deve-se ter enganado”. A minha filha absorveu estas mensagens, transformando grande parte dos contactos e da convivência em momentos em que era claro no olhar dela que estava surpreendida pois a realidade comigo não era aquela que a mãe lhe tinha dito que seria”.
A persistência na confrontação dos filhos alienados com a falsidade destas informações, ajuda a desconstruir as falsas memórias: “Aos poucos e com apenas seis anos, a minha filha começou a perceber que não sou como o que a mãe lhe diz que sou e os comportamentos duais começaram a ser subsistidos por uma maturidade emocional que não é normal para a idade”.
A principal tarefa dos psicólogos mediadores é a de ajudar os pais a atuarem diretamente no processo de melhoria da qualidade da parentalidade, corresponsabilizando-os pela mudança desejada. Este apoio deve ser feito envolvendo ambos os pais através de uma mediação que é pedagógica e preventiva, ajudando-os, não apenas a resolver os conflitos atuais, mas também a prevenir conflitos futuros, de forma a alcançar uma reorganização positiva da relação familiar. Como nos relatou o Pedro: “Com o apoio dos meus amigos, familiares, psicólogos e especialistas, fui aprendendo a lidar com esta situação e a concentrar-me em “lutar” sem lutar, dando amor à minha filha, nunca reagindo nem respondendo às agressões e manipulações, e a ter paciência”. O seu apoio psicoterapêutico foi fundamental: “Explicaram-me que estes comportamentos são normais numa criança nesta situação, mas partem o coração a qualquer pai, especialmente a alguém que está longe e sabe que o pouco tempo que tem com a filha não é suficiente para contrariar a lavagem cerebral”.
A Alienação Parental é uma forma de maus tratos infantis, sendo por isso muito importante que se conheçam as atitudes e os comportamentos concretos habitualmente adotados pelos pais/mãe alienadores, de forma a que seja mais fácil identificar essa situação e intervir o mais precocemente possível, adotando medidas adequadas para a terminar, e na medida do possível, reverter os danos que provoca, porque como nos expressou o Pedro: “Apesar dos progressos, temo pelo impacto a longo prazo desta manipulação”.