Havendo já empresas de abastecimento de água portuguesas a viver, plenamente, a quarta revolução industrial (Indústria 4.0), com processos físicos e digitais integrados, onde as ferramentas de inteligência artificial (IA) são imprescindíveis para lidar com todo os dados que a sensorização das redes trouxe, poder-se-ia dizer que o setor estava preparado para a revolução seguinte – associar essas tecnologias aos pilares da humanização, da resiliência e do respeito pela sustentabilidade – a Indústria 5.0.
Seria quase imediato dizer que as empresas dedicadas, concretamente, ao abastecimento de água seriam não só as mais aptas como as mais interessadas em fazer valer os princípios da Indústria 5.0, assumindo-se como fiéis impulsionadoras da sustentabilidade, exímias promotoras da resiliência dos territórios, procurando o progresso, agora, centrado no ser humano.
No entanto, com as referidas empresas na Indústria 4.0, coexistem outras entidades gestoras – uma avassaladora maioria – com infraestruturas desconhecidas e operadas manualmente, com processos em papel e trabalhadores com muito baixas qualificações, aos quais se juntam níveis de eficiência cada vez mais inferiores (como atestam os crónicos 30% de perdas de água), fazendo da resiliência uma palavra vã ou até confundida com resistência, e onde a sustentabilidade só é assegurada à custa de mais de 70 milhões de euros anuais suportados pelos contribuintes.
Estes são apenas alguns indicadores (com base em números da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos) que se traduzem numa constatação evidente: a grande maioria das entidades do setor está tão atrasada na inovação e investimento tecnológico – em contraste com o sucesso alcançado por alguns dos operadores – que ainda faz corar a Indústria 4.0.
E, sim, tal causa estranheza: o momento em que a água de que dispomos no planeta é ameaçada, de forma tão severa, pelas alterações climáticas e por incontáveis fontes poluidoras, não deveria ser também o momento de maiores avanços e investimentos na sua proteção? Deveria, claro.
Inverter este cenário e acelerar o processo de modernização do setor da água exigirá não só um esforço acrescido como uma profunda mudança de visão. Ou seja, não se trata apenas de garantir investimento financeiro e tecnológico per se, mas de acompanhá-los com uma nova perspetiva sobre a gestão.
Esta tem, desde logo, de fazer cair por terra os receios de associar a água ou o ambiente a uma “indústria”. Sim, estas empresas integram, de facto, uma indústria, não no vil sentido da exploração dos recursos naturais, mas na necessidade de profissionalização, inovação, eficiência e rentabilidade.
Para além disso, é necessário fazer prevalecer a partilha de conhecimento, recursos técnicos e humanos entre entidades, incluindo entre públicos e privados. Por fim, é indispensável penalizar entidades incumpridoras (ao invés de beneficiá-las com inesgotáveis apoios públicos, como ainda observamos) e beneficiar os operadores com performance ambiental e socialmente responsável.
Esta fulcral mudança de perspetiva encaminhará, naturalmente, o setor da água para a humanização, a sustentabilidade e a resiliência que lhes deviam ser mais intrínsecas do que qualquer outra característica.