Em mais de metade dos municípios portugueses, existem, digamos, duas faturas de água e saneamento – uma delas é bem conhecida de todos e apresentada diretamente ao consumidor com o valor cobrado por estes serviços. A outra é mais preocupante: desconhecida para o consumidor (e para o contribuinte), ascende a perto de 90 milhões de euros em prejuízos anuais suportados pelos impostos deste país e da União Europeia.

Os dados mais recentes da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos mostram que em 138 municípios o valor pago pelos consumidores não é suficiente para cobrir os gastos da operação com os serviços de abastecimento de água e recolha de águas residuais. O problema agrava-se se contabilizarmos as entidades gestoras que não sabem sequer os seus gastos e ganhos, fazendo subir para 60% as entidades para as quais a fatura paga pelos consumidores não é suficiente, dependendo de uma “segunda fatura” endossada ao contribuinte.

O que quer isto dizer? Que nestes municípios o prejuízo dos serviços públicos de água e saneamento é financiado através de outros impostos ou mecanismos de subsidiação com fundos municipais, nacionais e comunitários. Portanto, apesar de nesses concelhos, tipicamente, a “primeira fatura” ser mais baixa, isso não é tudo o que a mesma pessoa, agora enquanto contribuinte, paga para que sejam assegurados esses serviços – a “segunda fatura” será apresentada na forma de impostos.

Estas soluções de subsidiação não são, contudo, totalmente inválidas e seriam úteis, quando transitórias e transparentes para o contribuinte, e se, a médio prazo, contribuíssem para uma real sustentabilidade por meios próprios nessas entidades.

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Contudo, a sua ineficácia está infelizmente à vista: falta exigir “prestação de contas” nos subsídios atribuídos e falta uma gestão assertiva na sua aplicação. Falta também, em complemento, compromisso político, que se mantém desfavorável a aumentar tarifas (mesmo quando estas não comprometem a acessibilidade económica das famílias), para que estas reflitam o verdadeiro custo de levar água e recolher águas residuais.

Desta forma, os mecanismos de subsidiação de que falamos acabam por apenas fomentar uma falta de verbas cíclica, que passa despercebida aos contribuintes que a pagam. Como exemplo, temos o Programa para a Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (PO SEUR) que, no ano em que deveria ter sido concluído (2020), tinha apenas 60% das verbas executadas. Os fundos foram atribuídos, em larga maioria, a entidades públicas e surtiram pouco ou nenhum impacto na qualidade, eficácia ou eficiência dos serviços.

A dependência da subsidiação e o prejuízo em que muitas entidades continuam a operar trazem ainda outras consequências para o setor e para o consumidor. Desde logo, em défice financeiro, esfuma-se a capacidade de investimento em melhorias técnicas, humanas e tecnológicas, o que, a médio-longo prazo, representará perda de qualidade no serviço prestado ao consumidor e também piores performances na operação, fazendo crescer o fosso entre entidades.

Assim, enquanto não se cumprir o princípio legal do utilizador-pagador continuaremos a correr o risco de se manterem (e até se “premiarem” com mecanismos de subsidiação) más práticas de gestão, ao mesmo tempo que, pelo contrário, não se valorizam as entidades com eficácia e eficiência. Não estaremos, desta forma, a penalizar quem cumpre? Mais do que isso: não estaremos a penalizar ainda mais os consumidores que até desconhecem as “duas faturas” que enfrentam?