No fecundo e frutuoso rescaldo da presença, tão significativa e relevante para a Igreja Católica em Portugal, do secretário-geral do Sínodo dos bispos, cardeal D. Mario Grech, que, atenciosamente, esteve em Braga, de 14 a 17 de dezembro, a convite do arcebispo metropolita de Braga, D. José Cordeiro, importa não deixar este bom estímulo esvanecer-se, mas, pelo contrário, dar corpo ao que nos deixou como interpelação: «Igreja Sinodal é fruto maduro do Concílio Vaticano II», deixando bem claro que ainda só estamos a dar os primeiros passos de tão reformista Concílio.

O sínodo (caminhar conjuntamente) levado a cabo por sua Santidade, o Papa Francisco, é expressão de uma Igreja “entrincheirada” que, ao abrigo do anúncio eficaz do Evangelho (cf. Mc 16, 15), não pode ter outra atitude senão a de ir ao encontro das periferias existenciais e aos centros de cultura e saber hodiernos. Assim sendo, desde as fundações da Igreja Católica, esta nunca se demitiu ou teve receio algum em dialogar com a cultura circundante (cf. Fides et Ratio, n. 70). Não basta sonhar; é necessário propor, tangível e inteligivelmente, o Evangelho aos homem e mulheres, nossos contemporâneos.

Diante dos desafios da «época em que vivemos, ao mesmo tempo dramática e fascinante» (Redemptoris Missio, n. 38), sem medo, ousar frequentar os “novos areópagos” da humanidade: universidades e centros de cultura humanistas e científicos, à semelhança de S. Paulo – o qual se fez tudo para a todos a fim de salvar (chegar a) alguns (cf. 1 Cor 9, 22) –, no brilhante episódio da sua pregação, no Areópago de Atenas (cf. Act 17, 16-34). O mesmo é um dos primeiros textos que trata diretamente a relação entre gregos (berço da civilização ocidental) e cristãos. O discurso é emblemático, pois representa o primeiro encontro entre a filosofia grega e a fé cristã. (cf. José Tolentino Mendonça, Metamorfose Necessária. Reler São Paulo).

Paulo deu-se conta do temor supersticioso (deisidaimonia) dos gregos, pois encontrou na cidade imagens para todas as divindades, incluindo uma dedicada ao “Deus desconhecido” (agnôstô Theô) – e, para tantos dos nossos contemporâneos, desconhecido, não apenas nas partes do globo não evangelizados, mas, de sobremaneira, neste nosso continente que já conhecera o Evangelho –, que utiliza como argumento central para seu discurso. Os seus interlocutores são os filósofos epicuristas e estoicos. É manifestamente evidente, no discurso paulino – um homem culto e douto –, influências claras do pensamento estoico, a partir dos temas versados e da citação que usa do filósofo estoico Cleantes (séc. IV a.C.), bem como da proximidade entre as ideias do apóstolo e do filósofo Séneca (séc. I).

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Posto isto, após revisitar o passado, de olhos no presente e futuro, verificamos uma rutura entre Evangelho e cultura, sendo, sem dúvida, um dos dramas da nossa época… Assim, importa envidar todos os esforços, no sentido de uma generosa evangelização da cultura, ou, mais exatamente, das culturas. Estas devem ser regeneradas pela capacidade impactante da Boa Nova (cf. Evangelii Nuntiandi, n. 18-20). Urge, pois, anunciar o Evangelho na linguagem e na cultura dos homens e o «mundo da educação é o campo privilegiado para promover a inculturação do Evangelho» (Ecclesia in America, n. 71).

Se assim é, interrogo-me, retoricamente: porque é que só nos sentimos à vontade nas “nossas escolas e universidades” – as quais são de excelência, mas serão assim percecionadas pela sociedade civil? Porque é que só empreendemos os “nossos maiores intelectos”, nos “nossos” cursos e academias? Com isto, não estou a dizer que devemos descurar a mais exigente formação teológica e filosófica dos nossos clérigos, mas, em minha modesta opinião, não o deveria ser de modo exclusivo. Que diz a sociedade contemporânea de um doutoramento canónico em teologia moral, dogmática, fundamental, bíblica… nas “nossas universidades”?

A nossa sociedade, infelizmente, releva mais um formado em filosofia, história, literatura, artes – já nem falo em teologia –, ou alguém formado em medicina, engenharia, química, física, matemática, nanotecnologia, astronomia, etc? Bem sabemos do triste declínio do reconhecimento e valorização, por parte da sociedade, das ciências humanísticas. De igual modo, o mesmo se diga das “nossas escolas” – reitero, uma vez mais, a sua excelência académica. Relevamos mais a formação no Pontifício Ateneu de Santo Anselmo, Pontifícia Universidade Gregoriana, Pontifícia Universidade de Salamanca, etc, ou em Oxford, Harvard, Cambridge, MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), etc?

Constato, esperançoso, por parte da Igreja muita vontade em dialogar com a sociedade contemporânea, contudo, só o verifico, maioritariamente, no campo da literatura, artes, história, música sacra. Custa aceitar, mas a maioria das pessoas – salvo exceção – e dos vultos da ciência não estão aí. Estão nas ciências científicas e tecnológicas – sou suspeito: estudei ciências e tecnologias, no ensino secundário, e muitos amigos meus traduzem este pensamento.

Nestes campos, que não são “os nossos”, onde estamos? Dispomos de pouquíssimos clérigos a estudar em universidades e/ou a lecionar cadeiras laicas. É verdade, temos a pastoral universitária. Contudo, não será parco? Num mundo cada vez mais apostado em antagonizar – intelectualmente desonesto –, fé e ciência, impera frequentar estes “novos areópagos”. As universidades e escolas, tal como as conhecemos hoje, começaram connosco, mas perdemos esta relevância, no espaço público, e continuá-la-emos a perder, enquanto não formos capazes de as frequentar. Não basta estarmos nas “nossas” universidades. Urge estarmos, de igual para igual, como homens de fé, nas universidades laicas!

Dispomos de vários exemplos de clérigos cientistas, tais como o padre Nicolau Copérnico (1475-1543), pai da teoria heliocêntrica (a Terra gira em torno do Sol) e da astronomia moderna; quem descobriu o primeiro asteroide, “Ceres”, foi o padre Giuseppe Piazzi (1746-1826); o monge Gregor Mendel (1822-1884) expôs as leis da genética, no seu mosteiro, na República Checa; Georges Lemaître (1894-1966), padre católico belga, foi astrónomo, cosmólogo e físico. Propôs a “hipótese do átomo primordial” para estudar a origem do universo, o que veio a ser conhecido, mais tarde, como teoria do “Big Bang”; o bispo Nicolas Steno (1638-1686), o padre Jean Buridan (1300-1375), o padre Jean-Baptiste Carnoy (1836-1899), entre muitos outros, não apenas do passado, mas, igualmente do presente que, embora sendo poucos, nas academias laicas, materializam esta sinodalidade, nos centros de cultura, ciência e erudições contemporâneas e, esperemos nós, com maior vigor, presença e expressão, no futuro.

No entanto, importa ressalvar que dispomos de um laicado (também são Igreja Católica!) comprometido nestes âmbitos, todavia não exclui a presença de clérigos, alguns, inclusive, com formação civil prévia à formação canónica.

Parafraseando o Papa São João Paulo II, «como é que a mensagem da Igreja é acessível às novas culturas, às formas actuais da inteligência e da sensibilidade? Como é que a Igreja de Cristo pode fazer-se compreender pelo espírito moderno, tão orgulhoso com as suas realizações e ao mesmo tempo tão inquieto com o futuro da família humana?» (Discurso ao Conselho Pontifício da Cultura, 15/01/1985).

Os ilustres e insignes homens de Deus e apaixonados pela ciência e o estudo supracitados, devem ser, para nós, estímulo e renovado impulso – rasgado de esperança –, para que, a exemplo de São Paulo, ousemos “pregar” neste «vastíssimo areópago» (Redemptoris Missio, n. 37), nos quais, não navegamos tão confortavelmente. A credibilidade do anúncio e da proposta de Cristo depende, para além da coerência do testemunho, da credibilidade que nos seja reconhecida pelos homens e mulheres das ciências humanísticas, mas, igualmente, e cada vez mais, das ciências científicas e tecnológicas.

Tendo a graça de contarmos, como Prefeito para o Dicastério para a Cultura e Educação, o cardeal português, D. José Tolentino Mendonça, ousemos, nesta “Igreja em saída”, em sínodo, sair da zona de conforto e, sem descurar o essencial do ministério do presbítero e da sua formação, frequentar os “Areópagos de hoje”, a fim de anunciar este Deus, para muitos, desconhecido.