«A verdade vos libertará» (Jo, 8, 22)

Nestes dias cinzentos e esmaecidos para a Igreja Católica em Portugal, após a divulgação dos dados recolhidos e tratados pela laboriosa Comissão Independente – promovida, criada e desejada pela própria –, para o estudo de abusos sexuais de menores, no seio da Igreja Católica em Portugal – a quem manifesto a minha mais profunda gratidão pela sua coragem arguta e ousada –, visceralmente envergonhado e anojado deveras, apraz-me dizer o seguinte, na esperança de que os dias que se seguem, para a Igreja de Cristo, sejam acalentados por este sol de Inverno:

Falo, com gosto amargo na boca e nó apertado na garganta, desiludido com a Igreja que somos e genuinamente esperançoso para com a Igreja que, caminhando na verdade, poderemos vir a ser!

Mais gritante que a aberração repugnante de um sacerdote abusar sexualmente de um menor, foi a complacência cáustica e conivente da hierarquia que, priorizando a reputação e credibilidade da instituição, não foi capaz de proteger os mais vulneráveis – os pequeninos do Evangelho, assim, escandalizados (cf. Mt 18, 6) –, em detrimento dos abusadores.

Vemo-lo muito bem ilustrado pelo “modus operandi” da hierarquia, nestes casos, pelo menos até agora. Proteger a imagem da Igreja? Abrigando e dando guarida a criminosos no seu interior? Não será a verdade o caminho dessa credibilidade e confiança perdidas? São tudo questões que nos assaltam e nos deixam perplexos e atónitos, no como foi capaz a hierarquia de deixar criminosos à solta e em risco de reincidência. Que incúria atroz tantas vítimas feriu de morte! Creio, todavia, esperançoso, sermos testemunhas de uma mudança de paradigma vital, necessária, urgente, inadiável e histórica.

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Hoje, qualquer padre ser acusado de pedofilia ou de um crime de outra qualquer natureza “cola” logo, como fogo. Toda a transparência e verdade, nesta matéria como noutras, só nos beneficia e abona em nosso favor. É de salutar e vital relevo que, não obstante o processo canónico interno, a justiça do estado português – como entidade independente e reguladora da vida de todos os seus cidadãos (padres incluídos) –, no que ao seu sistema judicial diz respeito – e, portanto, imparcial –, averigue e ajuíze a veracidade ou falsidade de toda e qualquer alegada acusação.

Como é de todo óbvio, isto só se aplica no caso de um ilícito civil. Se for um incumprimento canónico que não configure um ilícito civil, pois deve ser resolvido no seio da Igreja, nas instâncias competentes.

Esta forma de atuação protege o padre e protege a vítima, seja em que circunstância for. Sejam severamente punidos os abusadores ou praticantes de qualquer outro crime civil e, sejam-no, igualmente, quem os acusa, caso seja difamação e, portanto, vítimas também!

A quesito fraturante que nos difere das demais instituições é a moral que apregoamos – e não é nossa, é de Cristo –, e, por isso mesmo, nos exigem mais e somos mais escrutinados – nem podemos esperar outra coisa, visto a Igreja, à luz do Evangelho, referenciar e propor balizas de comportamento moral à sociedade, a qual é livre de conformar a sua vida com a mesma ou não.

A nós, como Igreja de Cristo, cabe-nos mostrar que somos os primeiros a querer eliminar este problema na e da sociedade; porque se trata de um problema antigo da sociedade, o qual a Igreja, desde as suas fundações, procurou erradicar e, é desta que os padres veem!

A missão da Igreja não é outra, e não há mais nenhuma outra, senão continuar a atividade de Cristo, o bom e belo pastor (cf. Ad Gentes). Foi esta a missão confiada aos apóstolos. O seu contrário é contradizer-se! A Igreja é santa e pecadora, todavia, de olhar sempre voltado para os valores e alvores do alto e não para a mediocridade (cf. Cl 3, 1).

Jesus Cristo, fundador e alicerce desta nossa Igreja que somos, todo o povo de batizados, só Ele é o sumo e eterno sacerdote (cf. 1 Tm 2, 5; cf. Heb) e os homens ordenados partilham do seu sacerdócio. Estes agem, sem presunção alguma, “in persona Christi” – literalmente, na pessoa de Cristo. Isto significa que quando o sacerdote age sacramentalmente, ele fá-lo na pessoa de Cristo, ou seja, não é ele quem age ou fala, mas Cristo. Deste modo, existe um só sacerdócio (cf. Heb 5) e um só pastor (cf. Jo 10, 16)! É Ele a nossa bússola moral. Mais nenhum outro sacerdote, porque único.

Imperativo: A Igreja Católica, mostrar, pioneira e corajosamente, que a justiça é para todos igual, sabendo que a justiça humana é sempre limitada e, por vezes, corrupta. Que não seja a nossa! A Igreja não moraliza nem discrimina ninguém! Apresenta e propõe ideais que não são seus, são de Cristo.

Da riqueza profundíssima do legado de Bento XVI, retiro o epílogo daquele que foi o seu testamento espiritual: «Jesus Cristo é realmente o caminho, a verdade e a vida – e a Igreja, com todas as suas insuficiências, é realmente o Seu corpo». Somos conhecidos como diferentes das demais instituições, daí a perseguição – neste caso, mais do que justa, legítima e necessária: Provemo-lo!!