Parece que agora é que vai ser um ano com o pensamento na saúde. O governo tornou esse tema finalmente no grande desígnio orçamental para 2020. Pensemos, pois, com esperança, mas com a devida atenção sobre o que pode significar esse enfoque, pois o dinheiro não é tudo, mas ajuda bastante.

Os agentes políticos continuam muito focados no Serviço Nacional de Saúde esquecendo que a saúde dos Portugueses passa cada vez mais por um Sistema Nacional de Saúde, com as mesmas siglas de SNS, mas com abrangências muito diferentes. Cabe ao Sistema, e não somente ao Serviço, tomar conta da saúde dos Portugueses, com o máximo respeito pelo Serviço e pela sua essencialidade.

O Serviço recebeu um reforço de 10% e com base nesse aumento considerável o ministro das Finanças, do qual todo o Serviço depende e tem visto a sua atividade bastante limitada nos últimos anos, aconselha os cidadãos portugueses a serem mais exigentes com o mesmo. Ou seja, o reforço orçamental per se constitui uma motivação para melhorar a qualidade dos serviços prestados embora todos saibamos que o reforço orçamental não é totalmente aplicado para a atividade de 2020, sendo em grande parte para cobrir despesas já efetuadas em 2019 e anos anteriores, especialmente no que toca à atividade dos hospitais públicos. Os portugueses poderão assim exigir mais, mas não na medida em que o orçamento de 2020 foi reforçado.

Volta a eterna pretensão, como um poema para fado, de tornar sustentável não o Sistema, mas o Serviço, pois é esta parte que justifica o todo. Um Serviço universal, não só no acesso como na sua plenitude, ou seja, com todos os cuidados de saúde incluídos, por muito que quarenta anos de conhecimento empírico nos indiquem a incapacidade nesse desígnio por parte do Estado. Os seguros privados e a prestação privada vão demonstrando mais eficácia e eficiência e aproveitam a onda para cobrir mais cidadãos para atenuar os efeitos das listas de espera, das greves sucessivas, da desmotivação e outros fatores verificados no setor Público. Terminamos o ano com uma avaliação positiva por parte do Tribunal de Contas de uma Parceria Público-Privada, recomendando a sua continuidade.

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As apostas do Governo parecem ser os Recursos Humanos e o reequipamento das instalações prestadoras de cuidados primários e hospitalares. Para os Recursos Humanos, o parco aumento previsto para a Função pública e a dificuldade de diferenciação entre os funcionários públicos não augura um bom indício para o setor público da saúde. No reequipamento das necessidades calculadas para o setor em 2018, calculadas em mil milhões de euros, apenas 20% estão contemplados neste orçamento após a priorização efetuada pelo Gabinete Ministerial que reduziu a metade o montante global, prometendo investir 500 milhões de euros entre os noventa milhões já investidos em 2019, duzentos em 2020 e o restante no ano seguinte.

Mas o orçamento prevê, também, novas formas de financiamento exigindo aos fornecedores de dispositivos médicos uma contribuição para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. É suposto que esse financiamento seja feito através de uma taxa sobre as vendas das empresas e, a acontecer, será devastador para este setor, significando mais desemprego, o afastamento de empresas de Portugal e a não entrada de nova tecnologia. Este setor é bastante competitivo e apresenta descidas de preços gerais consideráveis conforme as tecnologias vão sendo adotadas em escala.

Os hospitais são os cartões de visita de qualquer sistema de saúde. No caso dos hospitais públicos, de forma a resolverem os seus problemas, precisam urgentemente de mais autonomia de gestão. Tem que haver mais confiança entre o Ministério da Saúde e os Administradores em quem é delegada a gestão dos Hospitais. Foi anunciado um programa para um grupo restrito de hospitais em que será aumentada a autonomia financeira tão desejável por parte dos administradores. Mas fica a dúvida e o Ministério das Finanças e o Tribunal de Contas exigirão os mesmos passos sempre que um hospital precisa de contratar, negociar ou comprar.

O anúncio de despedimento em caso de não cumprimento dos orçamentos hospitalares não foi bem recebido pelas Administrações. O Serviço Público tem componentes que muitas vezes são imprevisíveis, tais como epidemias, catástrofes ou mesmo problemas inesperados internos aos hospitais. Por outro lado, o processo de orçamentação tem sido baseado nos orçamentos anteriores e não no próprio exercício anterior. Os últimos anos de suborçamentação pioram ainda a segurança de quem tem de gerir um hospital.

Esta realidade afasta os bons gestores do serviço público. Numa empresa normal um gestor tem de saber porque alcança o objetivo ou porque não o alcança, de forma a que os financiadores possam apostar numa estratégia de crescimento sustentável. Além disso, há uma componente missionária na atividade da saúde pública, não sendo possível recusar doentes.

A própria existência de listas de espera pouco razoáveis antevê a sua manutenção ou até crescimento com estas políticas tão restritivas. O anúncio de despedimento em caso de incumprimento orçamental, embora possa ter uma intenção desejada de rigor financeiro no setor, é feito de uma forma desmotivadora para a classe dos administradores.

O Sistema de Saúde não tem de ser repensado pois ele existe de uma forma dinâmica. Existem Hospitais Públicos e Hospitais Privados, existem Administrações Públicas e Administrações Privadas de Hospitais Públicos, existe um orçamento de Estado e existem seguros de saúde. O Sistema de Saúde tem de ser harmonizado pois integra uma economia onde os recursos são escassos para necessidades crescentes.

Todos os recursos devem ser utilizados de forma consciente, coerente, de equilíbrio do mercado. Todos temos de ter espaço para sermos honestos, cumpridores e bons servidores de uma causa tão nobre como a saúde.

Luís Lopes Pereira é diretor-geral da empresa de dispositivos médicos Medtronic.