Vou tentando acompanhar o que acontece em Portugal no setor do ensino superior. Pelo menos, à medida daquilo vai sendo publicado nos jornais. Recentemente li sobre as manifestações de estudantes do IST (a escola em que me formei), em que os alunos exigiam mais apoio psicológico e menos exigência no novo programa que foi implementado recentemente.

O técnico implementou alterações profundas no seu sistema curricular que vão ao encontro do que é praticado nas melhores escolas de engenharia estrangeiras (TU Delft, EPFL, ETH, etc). O novo modelo de ensino implicou, nomeadamente, a redução de cargas letivas (horas de contacto, pressupondo maior trabalho autónomo dos alunos), e a divisão do ano letivo em 4 períodos. Sei que estas alterações foram feitas com base em amplas discussões e visitas às universidades referidas, o que me parece extremamente positivo. A redução da carga horária (pelo menos no ensino das engenharias, que é o que melhor conheço), era uma alteração urgente, que tardava. De facto, já não fazia sentido ter tantas aulas chamadas práticas, de repetição de matérias com docentes a escrever no quadro e os alunos a copiar. Esse é um modelo completamente ultrapassado, que não é bom nem para os docentes nem para os alunos. As horas de contacto devem ser aproveitadas para o chamado active learning, em que o aluno está de facto presente e a participar de forma ativa na aprendizagem.

Penso que alguns alunos terão tido também a sua quota parte de responsabilidade no arrastar desse modelo porque associavam propinas a horas de contacto com os docentes: “Se eu pago eles têm que estar lá a fazer exercícios no quadro”. Ultrapassado que está esse velho paradigma do ensino universitário nas engenharias, pelo menos no IST, importa perceber se uma série de outros aspetos foram também ultrapassados. Não conhecendo em detalhe o que está a ser feito na qualidade do ensino nessa instituição, ou mesmo em outras, uma coisa é certa: o ensino nas universidades portuguesas não é, em geral, profissionalizado.

Importa aqui explicar o que quero dizer com profissionalizar o ensino. É simples: para ensinar é preciso aprender a ensinar. E é preciso, tal como na maioria das profissões, certificar essa qualidade de ensino. Porquê? Porque, por exemplo, ter um doutoramento em Engenharia não implica conhecimentos em construção de unidades curriculares, ou métodos de ensino, ou métodos de avaliação dos alunos. Em Portugal, no ensino superior, é comum que se aprenda por experiência o que pode levar a asneiras que poderiam ser evitadas. Isso acontece na montagem das aulas, nos exames escritos, na quantidade dos trabalhos. Cria-se especificamente na área da engenharia a ideia de que tem que ser difícil. Nomeadamente na minha Alma Mater cria-se a ideia da “cultura do técnico”. São comuns as altas percentagens de reprovação em várias cadeiras, ou pelo menos eram. Contudo se uma cadeira tem taxa de reprovação de 50%, o problema não é dos alunos, é dos docentes. É matemático e a estatística explica. Para evitar que isso aconteça, é necessário preparar os docentes para o ensino através da tal formação obrigatória para o ensino superior. Nos Países Baixos chamamos essa formação de “Teaching qualifications” e foi um abrir de olhos para mim quando a tive que fazer. Em muitos casos foi a confirmação do que aprendi por experiência, mas noutros conduziu a novos conhecimentos que me permitiram organizar as cadeiras de forma muito mais clara e justa para os alunos. Não é o objetivo deste artigo explanar todos os conteúdos desse curso obrigatório para todos os docentes do ensino superior, mas um dos aspetos essenciais é o alinhamento entre objetivos de aprendizagem, atividades de aprendizagem e avaliação dos alunos.

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Este alinhamento significa que o que é aprendido/treinado nas aulas serve para responder a um objetivo específico de aprendizagem, e será testado num exame ou num trabalho de forma semelhante. Obviamente, isto não quer dizer que as perguntas são as mesmas ou que se está a facilitar, mas muitas vezes os docentes aparecem com perguntas nos exames que não têm nada a ver com o que foi aprendido ou praticado durante o período letivo. Assim, fica complicado para os alunos e só conduz a frustrações e ansiedade. Os objetivos de aprendizagem também nos levariam a uma discussão profunda sobre os seus diferentes níveis, desde “explicar”, até “aplicar” e “criar” que têm diferentes graus de exigência e de maturidade.

Estes conceitos são muitas vezes totalmente desconhecidos dos docentes universitários, não por sua culpa, mas porque o sistema ainda não está profissionalizado. Temos docentes com desempenho muito fraco em dar aulas, mas que continuam a sua atividade com muito pouco apoio das universidades para ultrapassar o problema. É certo que, por vezes, são os próprios docentes que não estão interessados em obter formação nessa área, mas também é certo que não faz sentido que isso seja deixado para os seus tempos livres e com custos suportados pelo próprio. Faz parte daquilo que as universidades têm que dar às suas equipas. Como é que se pode exigir qualidade, se não se dá formação?

Mas há também que filtrar quem acede a esta profissão. Atualmente, para se ser professor universitário em Portugal é preciso ter um doutoramento e ser selecionado em primeiro lugar num concurso em que são avaliados vários aspetos do currículo da pessoa, entre os quais experiência de ensino. Mas raramente se pede a essa pessoa para dar uma aula para que o júri possa aferir das competências mínimas para dar aulas. Competências como colocação de voz, construção de um PowerPoint, ou mesmo interação com os alunos. Como resultado, uma pessoa pode começar (ou continuar) a sua carreira universitária sem apetência nenhuma para ensinar. Basta ter o número certo de artigos, projetos e outros indicadores de produção científica. O ensino está lá nos critérios, mas na prática é difícil de ser avaliado sem entrevistas e uma aula. É só quando um Professor faz a Agregação num determinado tópico (título necessário para se ser professor catedrático em Portugal) é que esta pessoa tem que dar uma aula para um júri para aprovação; contudo, nessa altura já muitos anos de docência terão passado. Os resultados dos inquéritos aos alunos são importantes mas também na prática têm pouca influência na progressão da carreira de um professor universitário em Portugal.

A qualidade do ensino no ensino superior não é opcional – é fundamental para que se possam formar os melhores profissionais. O stresse no ensino superior nunca será retirado porque é assim mesmo: ensino superior, tem que ser exigente por natureza. Mas ainda há muito caminho para percorrer no que concerne à qualidade do tempo que é passado na Universidade e no estudo de grupo e individual dos alunos universitários em Portugal. Essa é uma responsabilidade da Universidade, mas também dos alunos que têm que participar ativamente na construção do ensino superior que querem ter. Lembro-me bem de como, para certos alunos, a Universidade era apenas mais uma oportunidade para socializar. Se queremos docentes mais profissionais talvez também tenhamos que ter alunos mais profissionais. A sua participação nos órgãos de gestão das universidades é fulcral por meio de alunos especialmente empenhados e conhecedores em profundidade do sistema que querem alterar e construir.

Gonçalo Homem de Almeida Correia é doutorado em transportes pela Universidade Técnica de Lisboa (Instituto Superior Técnico) e agregado em sistemas de transportes pela Universidade de Coimbra. Tem uma carreira universitária de mais de 12 anos sendo atualmente Professor na Universidade Técnica de Delft, Países Baixos, e Professor convidado na Universidade de Beijing (Pequim) Jiaotong em Pequim, China, nos seus programas de engenharia e planeamento de transportes.