Os paradoxos do luxo determinam uma gestão contraintuitiva, que não obedece às regras tradicionais de mercados com necessidades concretas e consumidores que procuram funcionalidade e benefícios, sempre ao melhor preço. É seguramente por esta razão que o mercado do luxo tem tanto de complexo, quanto de fascinante. O seu impacto económico e social, a grande notoriedade das suas (pequenas!) marcas, o seu território próximo à arte e a sua resiliência às crises económicas e financeiras, são disso testemunho.
É, contudo, com alguma inquietação que se observam as vendas do “luxo pessoal” a desacelerar desde os finais de 2023, numa tendência confirmada em 2024 e sem fim à vista. Ainda que existam exceções como as das marcas Hermès e Chanel (não pertencentes a nenhum conglomerado de luxo) com uma performance invejável (no melhor dos dois mundos: vendas globais relevantes e margens de lucro extraordinárias) a verdade é que a queda das vendas atinge por igual os três grandes conglomerados de luxo do mundo: LVMH, Richemont e Kering. Bernard Arnaud – proprietário da LVMH – deixou, por isso, de ser o homem mais rico do mundo este verão, resvalando para a 5.ª posição.
Os grandes mercados parecem ser o problema. A China começa a mostrar certa maturidade e evidencia o fim de uma economia que favoreceu a acumulação de riqueza. Para além disso, enfrenta um crescimento lento, uma alta taxa de desemprego junto dos jovens e um mercado imobiliário instável. Os Estados Unidos, o maior mercado de luxo do mundo, mostra um baixo índice de confiança dos seus consumidores, resultante da inflação e da indefinição política. E sem confiança não há consumo de luxo, porque na base das suas vendas estão habitualmente consumidores com rendimentos elevados, em contexto favorável e ávidos de assinalar o seu sucesso.
Mas os problemas do luxo resultam somente da instabilidade dos seus dois grandes mercados e do facto de não haver outro mercado emergente que os substitua (Índia, para quando?).
Estará o luxo a perder o seu brilho?
Estará o luxo a perder a sua relevância?
O luxo é uma necessidade humana. Uma aspiração à beleza, à elevação, ao conforto, ao sublime, ao extra-ordinário. O luxo responde também a uma necessidade de sinalização social, através da afirmação de códigos estatutários diferenciadores. A aspiração ao luxo eleva a condição humana. Nas palavras de Shakespeare “(…) até o último dos mendigos tem sempre qualquer coisa de supérfluo”. É, portanto, pouco provável que o luxo perca a sua relevância, sobretudo num momento em que não só se democratizou o luxo, quanto o gosto pelo mesmo.
Existem, no entanto, algumas marcas de luxo a perder o seu brilho. Em causa estão os consecutivos aumentos de preço, sem justificação e sem serem acompanhados de um real aumento de valor para o cliente. Alienam-se públicos e lança-se a dúvida sobre o verdadeiro valor dos objetos/experiências de exceção que as marcas se propõem oferecer. A omnipresença das marcas no espaço digital e físico, também contribui para criar uma sensação de proximidade e profusão que ajuda a desvanecer a magia e o mistério próprios do luxo. As marcas utilizam ainda narrativas que nem sempre correspondem à sua verdade: raridade e exclusividade ou gestão artificial da oferta? Comunicar mundos de sonho e depois negar-lhe o acesso. Fazer crer que existe o toque da mão humana em tudo o que se cria, sem ser vigilante sobre as condições em que o luxo é produzido. Por último, algumas marcas de luxo têm convergido para territórios que não são habitualmente os seus territórios de legitimidade. O luxo que sempre foi espaço de consagração do belo, do harmonioso, da elegância, da intemporalidade e da elevação, exprime-se agora, e também, nos territórios do feio, do vulgar, do grotesco, do ruído e do caos.
O filósofo francês Gilles Lipovetsky, que recentemente esteve no Porto para falar dos “Desafios do neo-luxo”, abordou justamente a fluidez destes territórios. Segundo ele, a cultura do prazer substitui a cultura do chique. Tudo o que dá prazer é legitimado. O prazer tornou-se um valor referencial e cada um é arbitro do gosto.
Então, para onde e como vai crescer o luxo? Vai deixar de nos surpreender com a sua criatividade nutrida pelo tempo e pensamento profundo, para responder aos desígnios de um gosto plural e fluido? Vai desabrigar os seus territórios de legitimidade, comprometendo a sua essência? Quando tudo for luxo, nada será luxo!
Há marcas que parecem navegar à vista, desnorteadas na procura de responder às legítimas aspirações de distintas audiências, muitas vezes em espetros opostos de estilo de vida e de valores. É difícil uma marca hoje ser global e querer, ao mesmo tempo, ser relevante para diversos públicos, sem beliscar a sua identidade.
É importante, por isso, num mundo de pluralidade e fluidez, preservar os cânones que caracterizam o luxo, sem os desalinhar das exigências do “espírito do tempo” que lhe garantem pertinência e relevância.
Talvez o luxo se tenha de demarcar da moda, da qual muito se aproximou, em conceito e estratégia de negócio. A moda, também ela espaço último de expressão e de identidade pessoais, define-se, ao contrário do luxo, pela constante mudança. A moda sim, pode responder com mais facilidade a todas as pluralidades do gosto.
Mais do que afirmar que o luxo perdeu o seu brilho, parece ser mais evidente que algumas marcas se têm vindo a apropriar de um espaço de valores que não é o seu, contribuindo para lançar sombra sobre o conceito de luxo. Fica a pergunta sobre quem perpetuará ou desfazerá este equívoco: as próprias marcas ou os consumidores que as escolhem e legitimam?