O interesse que os Portugueses têm demonstrado em conhecer, adquirir e dar a conhecer o que de melhor existe e se produz em Portugal, tem sido um fenómeno dos últimos anos, agora acelerado pela pandemia e pela necessidade natural de olhar mais para “dentro”. São várias as razões que justificam este interesse e esta valorização. Contudo, a “mãe” de todas as razões para a ausência de valorização do nosso património material e imaterial tem a ver com um certo desconhecimento. Não podemos valorizar o que não sabemos que existe.

Hoje, parecemos viver num estado constante de deslumbramento, de descoberta e de redescoberta. Como é que um país pequeno pode encerrar em si tesouros tão bem guardados, baús de memórias de que há muito se perdeu a chave?!… Os media e as redes sociais dão conta de novos produtos e marcas, novos projetos, novos protagonistas. Artistas unem-se a artesãos na construção de novas narrativas e de novos negócios a partir de técnicas e de saber-fazer ancestrais. Lugares outrora abandonados, ganham vida. A distribuição, ainda pouco adaptada e sofisticada, anima-se e dá palco às marcas portuguesas. Plataformas online e conceitos físicos, curadorias entre a mostra e a venda procuram responder a novas audiências. Turistas, estrangeiros residentes, artistas, investidores e os próprios Portugueses reclamam por mais conteúdos, num destino que se tornou mais turístico e cuja identidade estão ávidos de conhecer. Somam-se associações e iniciativas que pretendem proteger e promover o património e os produtos portugueses. O próprio Estado delineia um plano estratégico em que a “Marca País” e as “Marcas do País” são protagonistas.

Mas foi quando o olhar do “Outro” nos descobriu, que nos (re)descobrimos a nós próprios. Foi através do olhar dos artistas que Portugal soube atrair e que palmilham o território descobrindo, maravilhados, um saber-fazer, técnicas, matérias-primas, artesãos e potencialidades de que nunca nos tínhamos dado conta. Foi através das grandes marcas de luxo que escolhem produzir os seus produtos em Portugal. Foi através do olhar dos turistas, dos investidores e dos estrangeiros residentes que fazem de Portugal a sua casa. Foi através do olhar do famoso designer de sapatos, Christian Louboutin, que criou em 2019 a mala Portugaba, feita pelas mãos de artesãs portuguesas, com recurso a técnicas artesanais e matérias-primas nacionais. Foi através do olhar da marca Carolina Herrera que exaltou as cestas de junco típicas do Norte de Portugal, transformando-as numa peça de moda a que chamou Aveiro Bag. Foi, mais recentemente, através do olhar da marca norte-americana Tory Burch, que deu palco e acendeu uma controvérsia em torno da camisola poveira e das icónicas louças Bordallo Pinheiro.

É natural que o olhar do “Outro” tenha uma frescura e uma vivacidade próprias, seja um olhar sem preconceitos, sem memórias ou evocações. Um olhar apto a ver presente e futuro, onde nós, porventura, apenas vemos passado. Foi muitas vezes o nosso próprio olhar, o primeiro a matar o futuro dos nossos produtos. Um olhar que, vezes demais, desconsiderou os Portugueses como mercado e como objeto e veículo de comunicação. Como embaixadores legítimos da identidade do seu país.

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Existem produtos portugueses de excelência, em diversos sectores de atividade, que não se vendem em Portugal e que são, por isso, desconhecidos da esmagadora maioria dos Portugueses. Parece até haver um orgulho velado nesse facto por parte de quem os produz. A somar a esta questão, temos muitos negócios cuja dimensão artesanal ou estádio de desenvolvimento económico não permitem o investimento em canais de retalho próprios, nem ações de comunicação. Longe da nossa atenção, parecem não existir. A própria forma como o retalho nacional se organiza, excessivamente orientado para centros comerciais e com um comércio tradicional pouco modernizado, não propicia a visibilidade e venda de conceitos que reclamam espaços mais exclusivos e mais adaptados à expressão da identidade das suas marcas.

Torna-se difícil, de facto, valorizar mais o que é nacional quando os nossos olhos olham, mas não veem, quando o que de melhor criamos e produzimos não passa pelo mercado português, quando o retalho não conecta o produto com o consumidor. E quando não conhecemos, não valorizamos. E quando não valorizamos, não contamos as nossas histórias. E quando não contamos as nossas histórias, não vendemos os nossos produtos. Não exprimimos a nossa verdade, não veiculamos o nosso estilo de vida, não damos a conhecer a nossa cultura, o nosso património, a nossa identidade. Não conectamos com o “Outro”. Não acrescentamos futuro.

Acrescentar futuro é ir para além da narrativa do “Made in Portugal”. É dar crédito a um Portugal criativo e capaz de criar marcas nacionais globais. É dizer ao mundo que os produtos portugueses são sustentáveis, autênticos e que são pensados e elaborados por Portugueses. “Made & Designed by Portuguese, in Portugal”. É conectarmos o “nosso” com os nossos, devolvendo aos Portugueses um papel ativo no consumo e na evangelização dos seus produtos. Por último, fiéis à nossa essência de abertura ao mundo, é conectarmos com o “Outro”, aquele cujo olhar nos ajudou a despertar de uma certa letargia e nos devolveu orgulho e estima, desafiando o olhar de quem viu muito, mas não viu tudo.