Portugal enfrenta um dos maiores desafios na construção de um sistema político verdadeiramente transparente e acessível: a ausência de plataformas funcionais e integradas para partilha de dados públicos. A falta de consistência na publicação de informações parlamentares e municipais é mais do que um problema de gestão; é uma barreira que afasta os cidadãos da vida política. Num país que já deveria estar plenamente adaptado à era digital, o acesso a dados governamentais e municipais continua a ser fragmentado, pouco intuitivo e, muitas vezes, frustrante.

Estou atualmente a desenvolver uma aplicação para reunir e tornar acessíveis informações essenciais, como as iniciativas parlamentares, o orçamento de estado, dados sobre deputados e grupos parlamentares, e ainda informações detalhadas sobre os municípios: datas das assembleias municipais, atas, contratos públicos, entre outros.

O objetivo é claro: construir um ambiente onde a política seja mais transparente, acessível e interessante para os portugueses. No entanto, no decorrer deste trabalho, deparei-me com inúmeros problemas que evidenciam a falta de literacia digital e a desorganização dos dados públicos em Portugal.

A Falta de Acessibilidade e Estrutura de Dados no Parlamento e nos Municípios

No Parlamento, a estrutura de dados é pobre e as atualizações são lentas, dificultando qualquer tentativa de oferecer informação em tempo real. Esta situação é especialmente alarmante, pois o parlamento é uma das instituições centrais da nossa democracia, e deveria promover uma política aberta e transparente. Ter uma infraestrutura de dados funcional e acessível não deveria ser um luxo, mas sim um direito fundamental em qualquer democracia que queira ser inclusiva e acessível aos cidadãos.

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Nos municípios, a situação é ainda mais preocupante. Em muitos casos, a única forma de descobrir a data de uma assembleia municipal é através de visitas diárias aos sites municipais, na esperança de que um novo edital tenha sido publicado. Quando finalmente surge, este edital geralmente vem em formato PDF e frequentemente digitalizado, o que impossibilita uma simples pesquisa por palavras-chave. A falta de transparência é ainda mais paradoxal pelo facto de que estas informações frequentemente se encontram numa aba intitulada “Transparência” — um nome que contrasta com a realidade de práticas burocráticas, difíceis de navegar e desatualizadas.

Além disso, muitos destes documentos são disponibilizados em sites com certificados de segurança questionáveis, criando não só dificuldades de acesso mas também preocupações de segurança digital para os cidadãos. Esta combinação de obstáculos não só dificulta o envolvimento dos cidadãos como contradiz diretamente o princípio básico de transparência, transformando-o em mero marketing sem substância.

A Falta de Uniformidade na Divulgação de Dados Municipais

Um dos maiores problemas é a falta de uniformidade entre os municípios no tipo e qualidade das informações partilhadas. Não existe um padrão nacional que regule o modo como os municípios devem disponibilizar dados públicos, o que resulta em grandes diferenças entre concelhos. Enquanto alguns municípios fornecem agendas, atas e detalhes de reuniões de forma acessível e transparente, outros dificultam o acesso, com pouca ou nenhuma informação em formato digital pesquisável.

Este cenário cria uma desigualdade grave entre os cidadãos, dependendo de onde residem, na forma como podem aceder e participar na vida política. Em pleno século XXI, numa era marcada pela digitalização, é inadmissível que o acesso à informação pública dependa de práticas desatualizadas e ineficazes.

A Importância da Transparência para a Democracia

A política é para todos, mas só pode sê-lo verdadeiramente se o acesso à informação for fácil e disponível para todos. Um sistema transparente e inclusivo incentiva a participação cívica e a fiscalização da gestão pública. A existência de dados abertos e estruturados é essencial para promover um ambiente onde os cidadãos possam compreender, acompanhar e interagir com as decisões governamentais de forma informada.

Não se trata apenas de uma questão de conveniência; a falta de acesso fácil à informação pública contribui para o desinteresse e a desconfiança dos cidadãos na política. Se queremos que os portugueses sejam mais informados, ativos e responsáveis, o acesso a dados públicos deve ser garantido e melhorado.

Caminho para um Futuro Mais Transparente

A solução para estes problemas vai além da criação de novas ferramentas, como a aplicação que estou a desenvolver. É necessária uma transformação estrutural na forma como o governo e os municípios gerem e disponibilizam os dados públicos. A padronização de processos, a criação de APIs acessíveis e seguras, e a atualização constante das informações públicas são passos fundamentais para tornar a transparência uma realidade. Além disso, essa padronização vai facilitar e acelerar o trabalho de criação e disponibilização de informações, permitindo que as ferramentas para os cidadãos se tornem mais rápidas e eficientes.

Se Portugal pretende uma sociedade mais informada e participativa, precisa de investir urgentemente na digitalização e na uniformização dos dados governamentais. Isso não só ajudaria a fornecer transparência real, mas também tornaria o trabalho mais eficiente, economizando tempo e recursos ao automatizar processos que hoje dependem de métodos ultrapassados e manuais. Sem esses avanços, continuaremos a dificultar o acesso dos cidadãos à política, perpetuando a falta de literacia e o desinteresse que tanto afeta a nossa democracia.