Todos nós reconhecemos que uma pessoa com COVID-19, quando tosse ou espirra, emite gotículas e aerossóis que podem conter o vírus SARS-CoV2. O que aprendemos, posteriormente, foi que alguém com COVID-19 em fase de incubação e completamente assintomático pode transmitir na mesma o vírus, ao falar e respirar.

De facto, o rápido crescimento da ciência sobre os mecanismos da transmissão respiratória da COVID-19 deveria levar a uma mudança de paradigma no modo como nós vemos e abordamos a transmissão das infeções respiratórias.

Se quando na água se detetam micro-organismos nocivos nos proíbem de beber ou de tomar banho, também a pureza do ar deveria estar protegida! Para isso, nos espaços fechados (desde meios de transporte a repartições públicas), o ar respirável deveria ser sistematicamente monitorizado, e implementadas as medidas necessárias para melhorar a ventilação, filtração e desinfeção do ar.

Tal como existem entidades que regulam a qualidade dos alimentos, também deveriam ser implementados “standards” da qualidade do ar e emitidos “certificados de ventilação adequada”, certificados “air safe”!

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Porque é que esta ação é tão importante? Como a principal via de transmissão da COVID-19 é através de aerossóis, a sua redução, através de melhoria da ventilação pode reduzir os riscos. Esta ação foi recentemente reconhecida pela OMS no seu documento  Roadmap to improve and ensure good indoor ventilation in the context of COVID-19 (who.int).

É mais importante ventilar do que desinfetar! 

Na reunião de peritos do Governo que teve lugar no INFARMED a 28 de maio de 2021, Raquel Duarte, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, sublinhou, pela primeira vez, ainda que de forma tímida, no seu Plano de redução das medidas restritivas, a “importância da ventilação e climatização eficaz e adequada dos espaços interiores”.  Eu não poderia estar mais de acordo.

Como têm reagido alguns países europeus à necessidade da certificação da ventilação nos espaços públicos interiores?

Em Espanha, nas ilhas Baleares, desde o início do ano de 2021 que o governo obriga os bares e restaurantes, que se queiram manter abertos, a medir a concentração de CO2 no ar ambiente.   Como é bem sabido, a concentração de CO2 nos espaços interiores representa um indicador da qualidade do ar, da adequada renovação do ar e se há ar fresco suficiente dentro dos edifícios. Mais recentemente, na Galiza e Astúrias limitou-se esta concentração a 800 ppm em locais fechados, obrigando a colocar estes medidores de CO2 em locais visíveis em restaurante e bares.A Bélgica foi o primeiro país do mundo com obrigatoriedade de medição de CO2, visível ao público (com limite de 900 ppm) em espaços ligados à alimentação, “fitness”, cinemas, teatros.

Mas onde é que a transmissão COVID-19 por aerossóis está demonstrada?

Transportes

Uma investigação feita na China demonstrou transmissão em autocarros (com A/C em modo de recirculação de ar), onde 1 passageiro infectado transmitiu o vírus a  24 de 68 ocupantes após uma viagem de 100 minutos (50 minutos de ida e 50 de volta).

Muitas vezes viajamos em carros/carrinhas partilhados com ocupantes de vários agregados familiares. Existe já evidência da presença de aerossóis com vírus dentro da viatura ao fim de 2 horas, depois de uma pessoa infetada, sem máscara, ter conduzido durante 15min com A/C ligado e as janelas fechadas.

Restaurantes

Desde o início da pandemia que se tem associado a transmissão da COVID-19 aos restaurantes. Um dos artigos mais citados, publicado na Coreia do Sul, demonstra que um indivíduo infetado contagiou mais dois clientes (um dos quais ocupava uma mesa a mais de 6,5 m de distância), num espaço de 5 minutos, num restaurante de 97 m2, sem janelas e com o ar condicionado no teto.

 Outros espaços públicos (cinemas, supermercados)

Nos cinemas, teatros ou bibliotecas não têm sido relatado casos de contágio porque as pessoas não falam! Quanto mais alto se falar, maior o risco.

Assim, a utilização de máscaras e o (relativo) silêncio das pessoas nestes espaços faz com que sejam locais de muito baixo risco de contágio, desde que se assegurem boas condições de ventilação.

Ao ar livre (esplanadas, centro das cidades)

Locais ao ar livre onde exista muita gente concentrada, especialmente em espaços mais limitados (por exemplo, entre dois edifícios altos) sob condições de vento fraco e não expostos ao sol são os mais arriscados.

Certamente, é mais seguro comer ao ar livre do que em espaços fechados, mas ainda assim deve haver bastante espaço entre as mesas. Se houver outras pessoas por perto, devem usar-se máscaras quando não estivermos a comer ou beber ativamente. Devemos evitar as mesas que estão diretamente a favor do vento das mesas ocupadas. Quando interagimos com os empregados, devemos ambos usar máscaras. Pessoas que não moram juntas não deveriam compartilhar a mesma mesa, se a distância de 2m não puder ser respeitada (sobretudo se ainda não estiverem vacinadas). O SARS-CoV-2 transmite-se melhor quando se fala nas proximidades, porque os aerossóis (e as gotículas) se concentram nesses locais.

Eventos

Apesar de não haver muitas publicações sobre os riscos da transmissão em eventos (quer ao ar livre, quer em recintos fechados) há algumas informações que mostram que os riscos existem.  Por exemplo, no campeonato da Europa de futebol, a variante delta foi detetada em três fãs que assistiram ao jogo da Dinamarca contra a Bélgica, em Copenhaga, o que obrigou o governo dinamarquês a testar todos os adeptos dinamarqueses que assistiram ao jogo.  Numa análise aos jogos de futebol da Liga inglesa em 2020, ficou demonstrado que cada jogo de futebol está associado a cerca de seis casos adicionais de COVID-19 por 100.000 pessoas e duas mortes adicionais de COVID-19 por 100.000 pessoas. Por outro lado, vários investigadores sugerem que os perigos se escondem em estádios de futebol, principalmente em tribunas, elevadores e quartos de banho com pouca ventilação. Mais problemático é ainda o que acontece antes e depois de um jogo: dezenas de milhares de adeptos utilizam autocarros, comboios e (eventualmente) aviões para ir e regressar dos estádios. Além disso, passam a noite em hotéis e podem querer festejar em bares, após os jogos.  Estes aspetos foram confirmados na fase 1 do “Events Research Programme” do governo do Reino Unido, onde se refere que, apesar das áreas externas apresentarem risco menor do que as internas, o nível de fatores de risco de transmissão dentro dos ambientes varia significativamente. Por exemplo, na final da Taça Carabao no Estádio de Wembley, os níveis de CO2 registados nas bancadas, ao ar livre, foram baixos, com variação mínima, apesar da alta densidade de pessoas. Nos espaços de concessão internos e bares para o mesmo evento, houve picos de CO2 antes da partida e no intervalo, apesar de haver uma densidade de pessoas muito menor do que nas bancadas, ao ar livre.

Hospitais e centros de saúde

Desde o início da pandemia que vários profissionais de saúde tiveram COVID-19 pela transmissão ocorrida do SARS-CoV2, durante a atividade profissional. Apesar dos Hospitais serem dos edifícios com sistemas de filtração e renovação do ar mais eficazes, vários surtos foram ligados à transmissão do vírus, nestes locais. Isto poderá sugerir a ineficácia ou algumas fragilidades destes sistemas, que deverão ser auditados. Outros casos aconteram com doentes que partilharam a mesma enfermaria com outros, com infeção por SARS-Cov2 não detetada. Assim, num hospital de Boston, 40% dos doentes que partilharam quarto (apesar das camas estarem afastadas 2 metros e com cortinas entre elas) com um caso de COVID-19 não diagnosticado, foram infetados.

Assim, conhecendo melhor os detalhes da transmissão deste vírus, podemos preparar-nos melhor para mitigar o seu contágio! Precisamos de todas as ferramentas para nos protegermos da COVID-19. Sozinhas, as vacinas não conseguem fazer todo o trabalho.