Primeira nota.
Enquanto os comentadores do costume tentavam perceber qual é o “lado certo da história” na queda do regime na Síria, o Financial Times estava numa reunião em Damasco liderada por Mohammad Yasser Ghazal, o homem nomeado pelo novo “governo” da Síria para reformar a burocracia estatal. Nessa reunião ficámos a saber que a administração estatal da Síria não difere de outras administrações estatais por esse mundo fora: nada funciona e departamentos inteiros não sabem sequer o que realmente fazem.
O falhanço das máquinas administrativas estatais é um dos temas políticos do momento. Nos EUA Elon Musk vai liderar uma equipa com a missão de rever todos os procedimentos estatais, apurar o que realmente fazem cada um dos inúmeros funcionários públicos, tentar encontrar os biliões de dólares que os próprios líderes da máquina estatal admitem não saberem onde estão e, não menos importante, reduzir drasticamente o número de funcionários públicos. Na Argentina algo semelhante foi feito; no Reino Unido discute-se como aliciar os funcionários públicos para aparecerem no escritório pelo menos uma vez por ano (até ver, sem sucesso – continuam a “trabalhar” a partir de casa, quando lhes apetece). Em Portugal nada disto é discutido, o que é pena – o falhanço do Estado na provisão dos serviços a que se comprometeu e a generalizada incompetência dos seus departamentos são demasiado evidentes há demasiado tempo. Por esse mundo fora, a direita começa a perceber a relevância política deste tema; em Portugal, a direita permanece em silêncio.
Segunda nota.
O Congresso norte-americano publicou um relatório de cerca de 500 páginas com as conclusões de um inquérito ao que foi feito durante a alegada pandemia COVID. Noutros países, tal como o Reino Unido, algo semelhante ocorreu. Em ambos os países as conclusões não são simpáticas para quem andou orgulhosamente de máscara na rua. Em Portugal, estes relatórios não são tema, nem a direita nacional parece interessada em nomear uma comissão que apure a validade do que foi feito. A direita nacional parece andar mais interessada em apoiar como candidato a presidente da nação o homem que montou um par de tendas para que as farmacêuticas testassem uma medicação experimental. Dizem-me que montar um par de tendas é prova das capacidades de liderança do putativo candidato. A mim parece que a única coisa que está demonstrada é a inexistência de uma direita política em Portugal.
Terceira nota.
Em linha com as notas anteriores, há na direita internacional um crescente interesse em discutir o papel dos tribunais na vida política. A discussão, ao nível intelectual, não é nova. Tem na verdade décadas. Mas ganhou relevância política quando os tribunais decidiram legislar em vez de aplicarem a lei. Longe vão os tempos em que os tribunais aplicavam a lei: agora interpretam e actualizam a lei, curiosamente, de acordo com aquilo que parece ser o que os comentadores designam por “lado correcto história”. Tem sido assim nos Estados Unidos, com o poder judicial a interferir de forma activa no poder legislativo e executivo; tem sido assim na Europa em relação à deportação de migrantes entretanto condenados por crimes graves (como violação e homicídio); tem sido assim na Hungria, na Polónia, na Roménia e onde quer que seja que o povo vote ao engano.
A crise Síria, que referi acima, parece ter despoletado alguma discussão na Alemanha em torno da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. A Alemanha parece agora querer revisitar este assunto e fazer aquilo que há muito deveria ter sido feito: legislar para evitar que juízes imaginem que a sua função é interpretar de forma moral a lei (há imensa literatura sobre isto, caso interesse o leitor), quando o que se espera é que apliquem a lei. No Reino Unido discute-se o mesmo, enquanto em países como a Itália onde ministros eleitos pelo povo são perseguidos judicialmente porque, imagine-se, decidiram legislar sobre migração. Alguns tribunais imaginam que a função de um ministro da nação já não é governar mandatado pelo povo, mas governar de acordo com o que os tribunais imaginam ser a vontade do povo. Naturalmente, o povo tem ultimamente esta tendência irritante para votar mal, pelo que agora temos juízes na Roménia a cancelarem eleições…
O falhanço generalizado da administração estatal e a normalização do activismo dos agentes da justiça vão definir o debate político nos próximos anos, nomeadamente dada a importância destes dois temas para a presidência de Donald Trump. Em Portugal, o silêncio em torno de tudo isto impera. O país está aparentemente mais interessado em saber quem terá a coragem política para avançar com uma candidatura alternativa à do Almirante Gouveia e Melo. Portugal no seu todo ainda acredita que o que foi feito durante a alegada pandemia foi bem feito. Há aqui um orgulho nacional que me preocupa pois revela o estado a que o país chegou. Considerar que mandar montar um par de tendas de campismo onde os tristes foram tomar um medicamento experimental é um acto de liderança exemplar é tudo quanto há a dizer sobre a pátria: não há aqui nada de relevo…
Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não refletem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.