Hoje, 19 de novembro de 2024, marcam-se 1000 dias desde o início da invasão russa da Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022. No entanto, seria um erro tratar esta data como o verdadeiro início do conflito. Na realidade, a agressão russa começou a 27 de fevereiro de 2014, com a ocupação ilegal da Crimeia e o apoio a movimentos separatistas no leste da Ucrânia. O que hoje chamamos de “Guerra na Ucrânia” já dura há mais de uma década, quase onze anos de violência, desinformação e violações dos princípios mais básicos do direito internacional perpetrados pelo Kremlin.
A invasão em larga escala em 2022 foi, portanto, a escalada mais brutal de um conflito que já vinha corroendo a soberania ucraniana há muito tempo. Mil dias após essa ofensiva, a guerra revelou-se muito mais do que uma questão regional. É uma batalha que coloca frente a frente dois modelos de sociedade: um assente na liberdade individual e na democracia, e outro enraizado na repressão e no autoritarismo.
Desde o início da agressão, a Ucrânia tem sido um símbolo da coragem de um povo que recusa viver sob o jugo de uma autocracia . Não podemos ignorar o contexto: a Rússia de Vladimir Putin é praticamente uma ditadura moderna que, sob a fachada de uma democracia controlada, reprime vozes dissidentes, manipula a informação e usa o poder militar para expandir a sua influência. Ao invadir a Ucrânia, Putin não atacou apenas o território ucraniano; atacou a própria ideia de autodeterminação e liberdade.
Mas os mil dias de resistência ucraniana mostram que a liberdade tem um preço – um preço que os ucranianos estão dispostos a pagar. Ao contrário do que os cínicos previam, a Ucrânia não caiu em dias ou semanas. O apoio militar e humanitário das democracias ocidentais, incluindo o fornecimento de armamento moderno, tem sido crucial. No entanto, é importante lembrar que esta não é apenas uma guerra dos ucranianos. É uma luta que deve mobilizar a todos os que defendem a liberdade.
A União Europeia e os seus Estados-membros reagiram com unidade surpreendente nos primeiros meses da invasão, algo que merece reconhecimento. As sanções económicas à Rússia e o acolhimento de refugiados ucranianos foram sinais claros de que o mundo livre não ficaria indiferente. Portugal, ainda que com recursos limitados, esteve presente e solidário. No entanto, à medida que os dias se transformaram em meses e depois em anos, a fadiga da guerra começou a instalar-se.
Este é o verdadeiro teste às democracias ocidentais. A defesa da liberdade não pode ser circunstancial nem baseada em ciclos eleitorais. Se queremos um futuro em que as nações possam coexistir em paz, temos de assumir que a defesa dos valores democráticos exige consistência, esforço e sacrifício. Não é apenas a Ucrânia que está em risco. É a estabilidade de toda a Europa, especialmente de países que também enfrentam ameaças de ingerência russa directa, como a Moldávia, a Geórgia e os Estados Bálticos.
Como liberal, acredito que Portugal tem o dever de estar na linha da frente na defesa da liberdade. Isto não significa obrigatoriamente que devemos enviar tropas ou comprometer recursos que não temos, mas significa que, sem tibiezas, a nossa política externa deve ser clara e firme. Devemos continuar a apoiar sanções à Rússia, fortalecer os laços com os países que resistem ao autoritarismo e investir na nossa própria segurança energética para reduzir a dependência de regimes hostis.
Infelizmente, em Portugal, uma minoria ainda leva o debate sobre esta guerra para polarizações ideológicas. Não podemos permitir que narrativas pró-Rússia ou de apatia relativizem esta invasão. Não há neutralidade moral numa guerra onde a diferença entre vítima e agressor é tão evidente. Quem defende a liberdade deve rejeitar tanto a ditadura de Putin como as tentativas de apaziguamento que comprometem o futuro da Europa.
Estes 1000 dias de guerra também revelam algo mais profundo: estamos a viver o início de uma nova Guerra Fria. Desta vez, não é apenas o capitalismo contra o comunismo, mas as democracias contra as ditaduras. A Rússia e a China posicionam-se como alternativas à ordem ocidental, apostando na manipulação de informação, na desinformação digital e no reforço militar para alargar a sua esfera de influência. Ignorar esta realidade será uma ingenuidade perigosa.
A resposta não está em criar um novo bloco ideológico ou em regressar ao isolacionismo. Está em fortalecer as democracias, tornando-as mais resilientes, mais eficientes e menos dependentes de regimes autoritários. Isso implica repensar a economia global, investindo em autonomia energética, inovação tecnológica e comércio com parceiros que partilhem os mesmos valores.
Quando olhamos para os 1000 dias de guerra na Ucrânia, o que vemos é um espelho das escolhas que definem o futuro da humanidade. Queremos viver num mundo onde a força bruta prevalece sobre a lei e a diplomacia? Ou queremos construir uma ordem global que valorize a liberdade, a cooperação e a dignidade humana?
A resposta da Ucrânia é clara: a liberdade vale a pena. A questão é se nós, no conforto das nossas democracias, estaremos dispostos a fazer o mesmo. Na Iniciativa Liberal, acreditamos que a liberdade não é negociável. E isso significa que, mesmo quando a guerra parece distante, não podemos esquecer que cada concessão feita a um ditador é uma derrota para todos nós.
Mil dias de guerra são mil dias de sofrimento. Mas também são quase onze anos de resistência contínua. Cabe-nos a nós garantir que esta resistência não será em vão.
Desta ponta da Europa continuaremos a erguer alto as nossas vozes e gritar: Slava Ukraini.