Não creio estar a ser exagerado, nem particularmente original, se disser que defendo a ideia de que a Covid-19 foi um bilhete só de ida para o futuro, de tudo e de todos. Acredito que muitas mudanças implementadas como resposta aos planos de combate ao vírus eram clamores proferidos por muitos e que agora terão a oportunidade de passarem a ser as realidades que todos desejávamos, ultrapassado que esteja o fenómeno anormal atual. Ver a oportunidade no meio da tempestade é tipicamente português, no melhor dos sentidos.

Há alguns fenómenos que se verificam agora que, em boa verdade, deviam passar a ser hábitos no futuro. Depois das férias da Páscoa, a Educação foi o foco da cobertura mediática e do debate político. Devia acontecer muito mais vezes e esta é a primeira lição da Covid-19.

Ainda assim, esta crise consegue ensinar-nos mais coisas. A segunda lição, ainda no campo da Educação, é que não estávamos preparados para esta forma de ensinar e aprendemo-lo da pior forma: pouco preparados e à pressa. Isto leva-me à terceira lição: as escolas, de todos os níveis de escolaridade, estão agora perante o desafio de não ignorarem a discussão dos métodos de ensino e adotarem uma postura verdadeiramente inovadora. As aulas presenciais nunca irão retornar como eram antes, nem sei se serão necessárias. O futuro será para os que conseguirem transportar os seus campi, de forma dinâmica e estruturada, para terrenos mistos entre contacto pessoal e virtual.

Esta terceira lição pode, no meu entender, ser grande parte da solução para dois problemas antigos e teimosos em não ser resolvidos: o alargamento da base do Ensino Superior e uma remodelação no fim último da escola.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A adoção de um modelo misto de ensino, onde se exige menos tempo aos estudantes nas Instituições e se garante um acesso a conteúdo online, que ficam disponíveis durante mais tempo e a qualquer altura, permite uma flexibilização do horário dos estudantes (e dos docentes) para que se possam ocupar de outras atividades, nomeadamente profissionais. Não será difícil entender que se em vez de 5 dias por semana a presença do estudante na IES passar a ser apenas de 2 ou 3 dias por semana, seguindo o resto da atividade letiva de um qualquer sítio onde haja computador e internet, abriremos a possibilidade de estudar no ensino superior a muitas pessoas hoje não podem. Aliás, no limite, isto poderá ser cumprir Bolonha, dando mais autonomia ao estudante, ao mesmo tempo que se captam novos públicos para os ciclos de estudo.

O segundo problema foi posto a nu com o uso da Internet para lecionar nas últimas semanas: um estudante ser tratado como uma esponja que apenas absorve informação na sala de aula ou poder ter acesso a essa informação em casa ou noutro local pelo Zoom ou pelo Skype. Qual a diferença? Acho que esta é a altura perfeita para que a Escola comece a pensar em ensinar pessoas a serem boas na sociedade, não a serem boas na escola. A dificuldade de manter a atenção numa aula puramente expositiva é evidente, principalmente quando o interlocutor passou a ser um ecrã e não uma pessoa. Mas já sabemos que os ecrãs vieram para ficar. Temos que tornar estas telas atraentes para os estudantes e creio que só conseguiremos isso quando uma aula for discussão e não exposição.

Estou certo de que não vamos voltar à escola que a pandemia nos tirou, mas desta vez isso será o lado positivo da moeda.

Agora, é preciso não deixar ninguém para trás! Cabe ao Senhor Primeiro-Ministro cumprir o que recentemente disse: “Vamos iniciar o próximo ano letivo assegurando o acesso universal à rede e aos equipamentos a todos os alunos dos ensinos básico e secundário”. E seja como for, não se esqueçam do Superior! Há um conjunto muito grande de oportunidades de revolução do paradigma ensino-aprendizagem que as instituições de ensino superior e os docentes têm de saber liderar. Não podemos voltar a olhar para trás.

Porque de facto, os bilhetes só precisam de ter uma volta quando a ida não for para um sítio melhor. Como disse anteriormente, este é um bilhete só de ida para o futuro. Mas este futuro é já amanhã!