Em 2019, estava a trabalhar como designer numa agência em Portugal quando me foi pedido que desenhasse o memorial fúnebre para o filho recém-nascido do meu chefe, que por complicações pós-parto não sobreviveu. Foi uma tragédia inimaginavelmente dolorosa, na qual pela primeira vez me senti impotente como designer. Este episódio levou-me à descoberta da mortalidade neonatal, onde analisei diferentes contextos de saúde materna tanto em Moçambique como nos Estados Unidos.
Em Janeiro de 2023, viajei para Nampula em Moçambique, onde os casos de mortalidade neonatal são excepcionalmente elevados. As minhas visitas ao Hospital Central de Nampula (o maior da região) foram um abrir de olhos sobre as dificuldades que este país enfrenta, na sua luta para melhorar os cuidados de saúde de uma população em crescimento exponencial, com parcos recursos de espaços e equipamentos. As grávidas, após o parto, muitas vezes vêem-se forçadas a ter de partilhar camas em quartos sobrelotados e os bebés prematuros chegam a dividir incubadoras. Em menos de meia hora na sala de parto, testemunhei três nascimentos diferentes, um deles nado-morto. Os profissionais de saúde fazem o melhor que podem, mas a falta de financiamento e de formação médica específica, são obstáculos incontornáveis.
Durante esta visita, também tive a oportunidade de conhecer a Girl Move Academy, fundada por Alexandra Machado. Um projeto que é um exemplo do investimento português no exterior para gerar impacto na redução da disparidade de género e no empoderamento feminino através da educação e mentoria.
Já nos EUA, em conversa com uma fotógrafa da National Geographic especializada em retratar diferentes contextos de cuidados de saúde em todo o mundo, ao trocar experiências sobre este tema, ela alertou-me para o facto de os EUA, apesar de serem uma das nações com maior acesso a recursos do mundo, serem considerados o país desenvolvido com maior risco para mulheres grávidas.
Em 2023, o National Bureau of Economic Research publicou um estudo realizado na Califórnia que revela a disparidade nas mortes maternas afro-americanas em comparação com as suas homólogas caucasianas. A conclusão do estudo foi que as mães afro-americanas têm três vezes mais probabilidade de perder a vida ou os seus recém-nascidos, durante todo o período de gestação até ao pós-parto. Esta realidade verifica-se independentemente do seu poder económico ou estatuto social. Dados do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) mostram que 84% das mortes relacionadas com a gravidez nos EUA são evitáveis.
O ato de gerar vida deveria ser um momento de felicidade, mas para mulheres como Chrissy Sample, em Nova Iorque, que perdeu um de seus filhos gémeos, ou April Valentine, na Califórnia, que perdeu a vida durante uma cesariana, a experiência da maternidade transformou-se num beco sem saída. Estas mulheres tinham uma característica em comum que as colocava em maior risco: a cor da pele. Em busca de justificações para este cenário, deparei-me com muita desinformação e dados que apontam para a etnia como fator de risco para complicações na gravidez, quando as verdadeiras causas são a falta de apoio de um sistema de saúde vulnerável com cuidados de saúde enviesados e preconceitos sócio-culturais intrínsecos.
“Metade do mundo são mulheres. A outra metade são os seus filhos”— citação da autora Efu Nyaki, referindo-se à urgência de olhar para este problema como algo que não afecta apenas as mulheres, mas sim uma geração inteira.
Após passar vários meses a desenhar possíveis soluções no espaço da saúde feminina, aliando conhecimentos de design e engenharia, decidi fundar o projecto Aliquoti que consiste num conceito para um dispositivo wearable (que adere à pele), em combinação com uma app que usa sensores e inteligência artificial para rastrear sinais vitais da gravidez de uma forma não invasiva e acessível, empoderando mães BIPOC (Black, Indigenous and People of Color) durante a sua jornada pela maternidade. Esta plataforma permite acelerar a mudança, melhorando a forma como os dados de rotina são recolhidos e criando uma rede de acesso a profissionais de saúde com uma maior consciência sócio-cultural, dando resposta ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº3 da ONU para 2030 que consiste em acabar com as mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças com menos de 5 anos. Embora o cenário atual seja sombrio, há esperança de mudança, ao monitorizar a saúde da mãe e do filho.
Tal como ouvimos na semana passada na 54a.ª Reunião Anual do Fórum Económico Mundial em Davos, é crucial atingir uma distribuição equitativa de cuidados de saúde com recursos a inteligência artificial para melhorar a paridade de género e consequentemente evoluir os direitos reprodutivos das mulheres.
Para mim, este é o poder de usar o design como uma ferramenta contínua para prototipar a humanidade. É uma forma de moldar produtos e criar experiências diárias, que criam um vínculo de comunicação inquebrável entre usuários e os objetos que desenhamos para inovar no nosso quotidiano.
Nascida nos Açores e residente em Nova Iorque, Inês Ayer é licenciada em Design de Comunicação, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, tem uma Pós-Graduação em Gestão Aplicada e Economia, da NOVA Business School, um mestrado em Design for Distributed Innovation pela Fab Academy + Institute of Advanced Architecture of Catalonia e um MFA em Design e Empreendedorismo pela School of Visual Arts. Em 2019, fundou o seu próprio estúdio de design: o Studio Ayer. Além do studio, é Senior Designer na Pentagram.
O Observador associa-se ao Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.