Está escrito que é uma das suas principais forças: “Nós, os liberais, valorizamos gente diferente unida em liberdade”. Um partido que nasceu de gente diferente terá de ser capaz, para sobreviver tal como o conhecemos, de conciliar gente demasiado diferente, pelo menos para já.

A próxima convenção estatutária, agendada já para o fim-de-semana que se segue, é um primeiro teste à coesão da Iniciativa Liberal. Será o partido capaz de ceder à tentação de não transformar uma discussão sobre estatutos na primeira volta da corrida à liderança? Espero que sim, mas temo que não.

Há já quem vaticine que a IL acabará por dar origem a dois partidos liberais, como acontece nos Países Baixos, por exemplo. Um de marca mais conservadora, outro de assinatura progressista. Os simplistas reduzem a coisa aos liberais de direita versus liberais de esquerda. Coisa difícil de compreender por quem não aceita nenhum dos rótulos.

Em termos teóricos, sim, a cisão no espaço liberal, a ser ideológica, representaria uma vitória para o liberalismo enquanto corrente, uma vez que seria capaz de gerar duas forças políticas a partir da mesma raiz. A questão é que se isso acontecer agora, num momento em que a IL vale entre 4,9% (com Rui Rocha) e 9% (com Cotrim de Figueiredo), será um erro histórico e uma machadada no sonho de milhares de eleitores que passaram a acreditar que o liberalismo funciona e faz mesmo falta a Portugal. (Quem diria, há cinco anos, que tal seria possível?)

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Na verdade, a última Convenção parecia ter solucionado alguns problemas ideológicos quando encostou às cordas uma ala conservadora que acabaria nas listas do Chega. O problema é que num partido que se diz em luta por todas as liberdades (política, económica e social), a corda partirá sempre para ou por uma delas. As feridas estão abertas, ainda que em silêncio, alimentadas por questões como as da imigração, a identidade de género, a liberalização das drogas, a regulamentação do trabalho sexual ou as “barrigas de aluguer”, só para dar alguns exemplos. Ao mesmo tempo, convivem no partido aqueles que ainda acreditam na mão invisível e os que defendem que o Estado não pode, num País estruturalmente pobre, tirar a mão de um dia para o outro. Uns acreditam que o liberalismo pode entender-se com o socialismo (não com este de Pedro Nuno Santos) por um futuro progressista e verde, como acontece na Alemanha, outros não largam a etiqueta de “partido de direita” e olham para uma esquerda, suposta aliada em matéria de costumes, como o diabo que já chegou. Isto para não falar de política internacional onde as divergências são tão ou mais gritantes.

Mesmo num partido que começou por dizer que a corrida não seria um sprint mas uma maratona, há quem resuma a luta a pragmáticos versus idealistas, entre quem quer poder para mudar e quem clama por tempo para ter poder. Duvido que esta seja a questão de fundo. O que me parece é que a coisa no epicentro liberal está a começar a tremer pelas ideias, o seu maior capital. Uns apelam ao voto com a carteira, os outros querem que o partido fale ao coração, como se fossem coisas inconciliáveis. Conversar com dois membros da IL pode ser uma experiência hilariante e ao mesmo tempo fascinante. Gente que parte da mesma declaração de princípios para chegar a lugares completamente diferentes. É assim o liberalismo, dirão muitos. Pode ser assim o início do fim, alertam outros.

O desafio da IL nos próximos tempos é o de perceber se aquilo que une os seus membros é mais importante do que aquilo que os separa, se o liberalismo é mesmo para ser em toda a linha ou vai traçar fronteiras intransponíveis para sempre. Na convenção do próximo fim-de-semana vamos, talvez, perceber em que ponto estamos. Confesso que temo que o partido se divida por questões de forma que na realidade escondem outro tipo de divergências. Se for para partir, um dia, que seja pelas ideias, nunca por vírgulas, caras, egos, amores e desamores, uns mais antigos do que outros. Se for para partir, um dia, que seja quando o País perceber que já não pode viver sem as visões liberais, mas ainda não estamos nesse ponto.