A discussão do Orçamento de Estado para 2025 abre todos os noticiários. Se nos abstrairmos do folclore político, podemos identificar um conjunto de desafios com que nos temos defrontado e que determinarão o nosso futuro. Um dos desafios mais importantes é o da emigração de jovens profissionais qualificados. As medidas que têm sido discutidas por todos os intervenientes incluem vantagens fiscais ou outras que, no melhor dos casos, podem ter um papel paliativo. Este desafio só pode ser consistentemente vencido pela melhoria da saúde económica do país, pelo que é aqui que se deve centrar a discussão.

A integração europeia trouxe a Portugal grandes vantagens. Uma, talvez a mais importante, é a integração numa aliança política de dimensão global, promotora de disciplina orçamental, e a cooperação estreita com países com maiores índices de desenvolvimento que nós, em todas as suas dimensões. Se quisermos podemos aprender com os melhores. Mas trouxe também consigo desafios que não temos sido capazes de enfrentar.

Com a abertura do mercado do trabalho no espaço europeu, todas as regiões onde o poder de compra é mais baixo estão a perder muitos dos melhores profissionais para aquelas em que é mais alto, a que se soma a atração pelos ambientes cosmopolitas onde as oportunidades são mais frequentes, as empresas mais inovadoras se movimentam, e o futuro se desenha. Este movimento sempre existiu, mas a liberdade de movimentos criada pela União Europeia ampliou-o, e veio para ficar. A generalização do inglês como língua franca acentuou-o. E o tempo não vai voltar para trás.

As universidades conhecem bem esta situação porque nelas este processo começou há mais tempo. Aprenderam já que o importante não é dificultar a saída dos portugueses, mas sim atrair jovens europeus independentemente da sua nacionalidade. E que o indicador mais perigoso a prazo, e que prenuncia a decadência, é o de perdermos profissionais melhores do que aqueles que conseguimos atrair. O perigo aumentará ainda mais quando a migração começar a ocorrer antes de os jovens atingirem os níveis mais elevados de formação em Portugal, trazendo consigo o inevitável declínio do sistema de ensino superior necessário para alimentar a inovação e a economia.

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Mas então Portugal não é onde todos ambicionam viver? É verdade que muitas regiões portuguesas atraíram grandes profissionais e empreendedores que encontraram aqui um clima aprazível, um regime fiscal muito simpático para eles, e segurança. No rescaldo da pandemia, impulsionados pelos avanços tecnológicos nas ferramentas de trabalho à distância, multiplicaram-se os nómadas digitais que entre duas sardinhadas em Alfama, cujo preço inflacionam, ajudam a construir a riqueza noutras paragens. Este movimento criou a ilusão de que poderíamos estar na primeira linha do sistema de inovação. Somaram-se outras ilusões alimentadas pelos Web Summits ou pela compra de casas na Comporta por estrelas de Hollywood e quejandos.

Temos vivido muito tempo na recusa de aceitar que a retórica produz pouca riqueza, o que é pena pois é uma área em que somos fortes. Tal como expresso no Relatório Draghi mesmo a Europa no seu todo não tem razões para sorrir: muitos inovadores de sucesso saem do espaço europeu e preferem procurar financiamento junto de investidores de risco norte-americanos e expandir-se nesse mercado. No nosso pequeno mundo podemos ter algumas boas ideias, mas as fábricas de unicórnios só existem em economias dinâmicas e abertas que aceitam o risco e premeiam o sucesso.

Já vivemos dos restos do passado, enchendo os discursos dos sucessos dos navegadores. Já provámos os “amanhãs que cantam”. Já experimentámos a adrenalina de Portugal ser o “país da inovação”. Já vivemos a prioridade das “contas certas”, e agora a de contentar as corporações mais reivindicativas do setor público. Assistimos ao crescimento do setor do turismo como panaceia universal, que vai assegurando a recuperação dos centros das cidades, empregos de baixos salários, garantidos em boa parte pela imigração, e alguma estabilidade financeira das famílias que alugam casas ou airbnb. Infelizmente parece-me que é por não sabermos fazer melhor, e porque a dependência do turismo de baixo custo já inundou a vida das famílias dos decisores políticos, e a de muitos portugueses.

Só há uma forma de atrair bons profissionais independentemente da sua nacionalidade. É termos as condições que eles precisam para florescer. Agora que estamos a discutir o orçamento é que as diferentes estratégias se deveriam confrontar. E sem intrigas sobre insignificâncias. As discussões a que assistimos seriam infantis se não fossem dramáticas, porque indiciam a pulsão de nos afastarmos dos problemas difíceis para nos concentrarmos numa discussão que não deveria nunca ter saído dos pátios das escolas primárias: qual o menino que mentiu.

É verdade que a migração dos melhores profissionais acentua ainda mais as diferenças regionais, mas é importante que se perceba que ela também é necessária para que a Europa possa concentrar capacidade, e desenvolver ambientes muito competitivos capazes de enfrentar os desafios globais. Mantendo-se a geometria política atual, a competitividade europeia no seu todo vai determinar o conjunto de futuros possíveis para cada um de nós, tanto ou mais do que os sucessos ou insucessos de qualquer pequeno país periférico. Todas as reduções de riqueza económica da Europa serão muito negativas para nós.

Numa altura em que o declínio parece inevitável e que alguns dos nossos melhores profissionais migram para paragens mais verdejantes, são precisas ideias inovadoras, claras, inteligíveis e mobilizadoras. Não precisamos de estar todos de acordo nesta nem em nenhuma outra área, e nunca estaremos. Acredito que a saúde da economia é o fator discriminante. Se as convicções sobre a forma de a promover forem firmes, o que não tenho como certo, serão os resultados que se alcançarem o melhor juiz das estratégias seguidas, e esse julgamento é uma componente imprescindível do processo democrático.

De qualquer governo se espera a defesa intransigente da sua estratégia de desenvolvimento, pela qual se torna naturalmente responsável. Urge que as opções sejam claramente assumidas. Acidentes de percurso como a necessidade de gestão por duodécimos, devido à não aprovação da proposta de orçamento, ou pequenas quezílias de circunstância, são apenas um pequeno dano colateral.