No próximo dia 10 de março o país volta, após 2 anos de intranquilidade política, a deslocar-se às urnas para deliberar sobre o futuro do país.
Um ato de tamanha responsabilidade cívica seria o suficiente para despertar, de forma quase instantânea, o entusiasmo naqueles que acreditam que este nosso jardim à beira mar plantado é digno de valorização. Porém, e contrariando os louváveis valores de abril, nem sempre é concedida voz a todo o povo para que este possa, da maneira que lhe aprouver, decidir o seu fado. As eleições legislativas são o exemplo mais proeminente disso.
O sufrágio que se aproxima é, assim como todos os que o antecederam, inevitavelmente marcado por um sistema eleitoral que não só visa perpetuar as desigualdades provenientes de um centralismo historicamente reconhecido, mas também enfraquece ostensivamente a pluralidade democrática. Um sistema que, conforme os factos conhecidos indicam, evidencia um denominador comum a todos os atos eleitorais: existe uma discrepância significativa entre a percentagem de votação e a percentagem de lugares ocupados na Assembleia da República, que favorece ininterruptamente os mesmos dois partidos – PS e PSD – enquanto observa todos os restantes a serem consequentemente prejudicados. Nas últimas legislativas, à semelhança das anteriores, PS e PSD elegem mais deputados do que aqueles que a votação naturalmente atribuiria – 28 para ser mais preciso- ao passo que os demais partidos veem o seu resultado eleitoral ser sistematicamente reduzido.
Contudo, constituindo isto uma alarmante ofensa aos princípios constitucionais da representação proporcional, o problema deste inapropriado sistema não se cinge unicamente à questão supramencionada.
Quantos dos votos nos dois principais partidos políticos não são resultado de um sistema que direciona o sentido de voto de muitas pessoas para que estas se sintam relevantes para o funcionamento da atividade legislativa? Quantas pessoas deixaram de participar nestes atos eleitorais por saberem da inutilidade do seu voto?
Eu, votante no círculo eleitoral de Castelo Branco, encontro-me em situação idêntica à de muitos portugueses – o meu voto não vai ter qualquer impacto na eleição do próximo domingo. E isto, num país que devia primar pela diversidade e inclusão democrática, é considerado razoável?
Inquieta-me constatar que, todos os votos no meu distrito desde 1987, que não se enquadrem nessa concentração bipartidária, tenham sido manifestamente desprezados. Inquieta-me, sobretudo, ouvir testemunhos de pessoas que votaram a vida inteira sem se sentirem respeitadas pela democracia que as devia proteger e incentivar; e pensar que esse relato um dia poderá vir a ser meu.
Em 2022, 14 dos 22 círculos eleitorais elegeram exclusivamente representantes do PS e do PSD (sendo que, em círculos como Portalegre e Europa, apenas o PS conseguiu conquistar assentos). Para além disso, na metade dos círculos eleitorais restantes, apenas um deputado do Chega foi eleito, para além dos outros dois partidos.
Se fizermos um exercício de análise mais profundo e distante, percebemos então que mais de oito milhões de votos desde 1975 não foram convertidos em mandatos.
A realidade é demasiado desconcertante para que, partidos com uma dimensão inigualável na nossa dinâmica política, continuem a adiar, por falta de coragem e espírito democrático, uma luta transversal a qualquer ideologia política ou cor partidária: a reforma do sistema eleitoral, assente num círculo nacional de compensação, que garanta igualdade e consideração para com todos os cidadãos no momento mais importante da vida democrática, a eleição dos representantes do povo.