Pela primeira vez desde a implantação do antigo regime, ao qual incautos recém-chegados à consciência partidária chamam hoje displicentemente «o fascismo», sem se interrogar sobre o que foi o Fascismo na Itália da primeira metade do século XX ou o Estado Novo em Portugal, para não falar do Nazismo, pela primeira vez em quase cem anos, foi finalmente eleito em Portugal um deputado Liberal. É uma pedrada no charco!
Vale a pena dizer que, no caso de o sistema eleitoral português respeitar a proporcionalidade nacional entre votos e eleitos, a Iniciativa Liberal (IL) teria três deputados e não um só. O mesmo aconteceria com o chamado «Chega» e com outras desproporcionalidades! Basta dizer que nas eleições do mês passado, além de o governo inscrever o número inverosímil de quase 11 milhões de votantes, o PS elegeu um deputado com uma média inferior a 18.000 votos quando a IL precisou de 65.000 para eleger o seu (o mesmo se diga do Chega e do Livre, bem como de outros três partidos sem deputados eleitos)!
Por causa destas e de outras «chapeladas» aparentemente legais mas cada vez mais evidentes, que só beneficiam o PS e o PSD (todos os outros partidos perdem para eles), é que a Monarquia caiu e depois dela a República. Sem pretender reconstituir em poucas palavras uma história longa e acidentada, a verdade é que a descoberta do caminho para a Liberdade em 1820 foi imediatamente sucedida por uma série mais ou menos ininterrupta de golpes e contra-golpes, incluindo várias guerras civis.
O golpe republicano de 1910 não fez mais do que relançar a série de conflitos abertos, incluindo a ditadura precursora de Sidónio Pais (1917-1918), até ao golpe definitivo do 28 de Maio. A ditadura só acabou quase 50 anos depois com novo golpe militar provocado pela pressão interna e externa sobre as Forças Armadas no sentido de porem termo à guerra colonial… Desde então, a actual democracia – que nunca submeteu a referendo qualquer das suas regras constitucionais nacionais e europeias – não fez mais do que transformar-se num ritual eleitoral onde um dos dois possíveis vencedores ficou decidido por leis nunca revistas depois de a fracção civilista do exército derrotar o golpe de 25 de Novembro de 1975 e assim pôr termo ao PREC!
Com efeito, como sucedeu em todos os países europeus católicos no século XIX, talvez por causa do terror inspirado às elites tradicionais pela Revolução Francesa, o termo liberalismo e as ideias políticas e sociais a ele associadas ficaram reduzidos no Sul da Europa ao liberalismo económico. Por seu turno, a Grã-Bretanha tomou literalmente conta do caso português perante a expansão napoleónica, como demonstra a fuga da família real e do grosso do aparelho de Estado para o Brasil, bem como a abertura do portos e a independência deste último.
Apesar das aparências, o longo século que vai de 1820 a 1926 pouco ou nada tem de liberal no sentido forte do termo, não só no da participação cívica e da tolerância cultural, como no da representação política restringida às elites e manipulada nas urnas, para não falar do atraso deliberado da instrução pública por parte dos governos, bem como do carácter conservador da maioria das revoltas populares contra a ordem social, o fisco e a alta dos preços.
Tal como mostrou o historiador Raffaele Romanelli em «L’Italia liberale, 1861-1900», a ideologia liberal foi na realidade imposta de cima para baixo por uma escassa elite burguesa ao conjunto das populações e às classes sociais mais reaccionárias, como é conhecido dos leitores do «Gattopardo» de Lampedusa: «É preciso que algo mude para que tudo fique na mesma»! Portugal não era melhor. Antes pelo contrário. Sem tradição urbana robusta e com um império colonial para gerir sem recursos suficientes, o que não faltava eram pulsões críticas de autoritarismo mais ou menos encoberto, tanto entre republicanos como monárquicos. Com a emigração como válvula de segurança recorrente, com o seu máximo em 1913, o chamado «familismo amoral» resistiu a qualquer liberalização efectiva, alimentando o clientelismo e a corrupção das elites.
De tal modo que a implantação do regime democrático em 1976 não fez qualquer referência ao século histórico do liberalismo nem qualquer partido evocou tal noção. Só em 1984 um pequeno número de antigos «esquerdistas» vacinados pelo PREC ousou apresentar-se como «Clube da Esquerda Liberal», o qual veio a dissolver-se perante a entrada na CEE e os dez anos de governo Cavaco Silva, mas ainda se prolongou na revista «Risco» até 1987. Foi durante o lançamento dessa revista que uma troca de ideias com Mário Soares, então presidente da República, confirmou quanto era ignorada, se não desprezada, uma genuína dimensão liberal nesta democracia estática e estatista. É pois de saudar, finalmente, a presença de uma Iniciativa Liberal no parlamento português!