Todos conhecemos e nos identificamos com o dito que por aí circula de que não interessa quantas vezes caímos, mas quantas nos levantamos. É o caso do PS, não bastava José Sócrates e tudo o que então aconteceu, temos agora a demissão de António Costa e o enorme cortejo de demissões, suspeitas, processos, tudo a confluir para novas eleições em março, precedidas de eleições internas no PS para escolher nova liderança, para a qual vai ser necessária cabeça fria e bom senso para que os eleitores não se zanguem, definitivamente, com o Partido Socialista.

Quando ocorreu a prisão de José Sócrates, o PS e o país sentiram uma comoção como nunca depois do restabelecimento da democracia, mas parece não se ter intuído poder estar-se perante uma crise ainda mais profunda do que a generalidade dos políticos de serviço e os comentadores residentes sinalizavam. Não era apenas um momento, podia ser o regime.

Entretanto, veio Passos e a Troica, António José Seguro e António Costa e o PS conseguiu fazer algo impossível, passar por cima da herança de José Sócrates como gato por brasas, a maior parte dos indefetíveis de José Sócrates passaram a ser indefetíveis de António Costa e o partido assobiou para o lado como se o socratismo nunca tivesse existido, enterrou o cadáver político do ex-lider e não fez qualquer reflexão interna sobre a necessidade de analisar o que gerara a situação e que mudanças internas deviam ser realizadas para que não voltassem a ocorrer eventos semelhantes.

Os que ontem bajulavam José Sócrates e incensavam a sua liderança, tiveram um primeiro momento de indecisão, mas depressa abandonaram os estados de alma para se levantarem rapidamente e segurarem posições no partido, no aparelho de Estado e na Europa, sem qualquer constrangimento nem remorso. Enterrados os mortos, cuida-se dos vivos e quem se atrasa na disputa entre herdeiros fica sempre prejudicado. Assim, muitos passaram de figuras ilustres do Socratismo, para figuras ilustres do Costismo, sob o aplauso da militância e sufragados pelos votos dos portugueses, sempre considerados sábios nas suas escolhas.

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Com o estouro atual, o filme começa a projetar-se com o enredo do costume e sob o beneplácito da opinião publicada que parece mais interessada em levar um candidato ao colo do que escrutinar quem estará em melhores condições não só para liderar o PS, mas, sobretudo, para governar o país.

Não é necessário ser-se politólogo para perceber a encruzilhada em que o país se encontra, sendo certo que à direita do PS, salvo se houver uma mudança radical no eleitorado, só será possível uma alternativa de governo minoritário ou apoiado/integrado pelo Chega. Não é que o Chega tenha menos direitos democráticos do que todos os outros partidos, a essência da democracia aí está a recordar-nos da difícil realidade, o problema é não ter uma estratégia para o país e fazer do quanto pior melhor e da terra queimada a sua razão de existir.

À esquerda, dependendo da força política dominante no PS, há condições para recriar a Geringonça, mesmo que esta não seja a melhor solução para Portugal e os soberanos e sapientes eleitores voltem a reincidir na ideia do “25 de abril, sempre”, esquecendo-se de que o país mudou e o mundo ainda mais.

Aqui chegados, escolher o líder do PS não é, como nunca foi em qualquer partido com hipóteses de chegar ao poder, apenas uma questão interna, bem pelo contrário, o que está em causa é escolher alguém que pode chegar a chefe do Governo, o que obriga a um escrutínio que está muito para lá dos exercícios costumeiros do quem apoia quem e da contagem das espingardas internas.

O que me leva a escrever este texto é que sendo eu militante, quase anónimo, do PS, não posso deixar passar em claro o exercício de hipocrisia política e de demissão cidadã a que estou a assistir quando, com espanto, vejo que, havendo dois candidatos a disputar a liderança do partido, um é considerado vencedor antecipado sem qualquer escrutínio e sem um mínimo de reflexão sobre o processo que começou com o caso José Sócrates e que, nos últimos tempos da maioria absoluta de António Costa, se tornou quase uma rotina para descrédito do PS e da política, em geral.

Não conheço pessoalmente José Luís Carneiro, nunca com ele me cruzei, mas é público e notório que é um homem que tem vida profissional fora da política, foi autarca, tem experiência parlamentar e governativa e nesta sua passagem pelo Ministério da Administração Interna tornou-se o ministro mais reconhecido e elogiado, pela sua competência e pelo seu bom senso. Que se saiba, nunca esteve envolvido em polémicas espúrias, nem na autarquia que dirigiu, nem nas pastas governamentais que sobraçou, e parece uma pessoa impoluta.

Naturalmente que o meu apoio vale apenas um voto, mas é importante olhá-lo como o candidato de que o PS precisa e de que o país necessita, não para levantar o pó da ideologia que faz tremer as pernas dos banqueiros, mas para contribuir para um país mais justo, mais próspero e mais feliz.

Esta é uma oportunidade de ouro para o PS se purificar dos miasmas do passado e libertar-se da ganga ideológica que a história recente já demonstrou servir apenas para empobrecer as sociedades e tornar a vida de uma boa parte dos cidadãos num calvário quotidiano sem perspetivas de futuro. É bom não esquecer que um quinto dos portugueses vive no limiar da pobreza e esta deve ser a principal preocupação de quem se julga fadado para governar o país. Mais do que ideologia, as pessoas querem comida na mesa, e isso consegue-se com políticas lúcidas, realistas e que apontem ao futuro.