Hoje chegou a notícia inesperada: o Paulo Cunha e Silva morreu. A cultura ficou mais pobre, muito mais pobre. Contactei com ele em diversos momentos da minha vida. É daqueles amigos que nunca se esquecem, que se vão reencontrando quando andamos pelas mesmas bandas.

Em Lisboa, cruzamo-nos quando ele estava nas Artes Plásticas. Criou um instituto que inovou o relacionamento do Estado com as artes e fez o que ninguém ainda tinha feito. Mais tarde, vi-o por Roma na Embaixada de Portugal e partilhei os sentimentos que tinha pela Cidade Eterna. Em Roma estava em casa e provocava sentimentos de fidalguia nostálgica, que se enquadrava nas heranças dos príncipes renascentistas de grandes obras de arte que se cruzam connosco em cada esquina.

Médico, professor de anatomia, foi uma sua marca ligar a frieza de morte da sala anatómica a uma visão estética do olhar da arte sobre o corpo humano. Trocou mesmo a anatomia por esse olhar e o resultado foi sempre surpreendente. Paulo foi único em tudo o que fez na vida.

Recentemente, encontrámo-nos no Porto, sua cidade. Vereador da cultura era obviamente o ministro que o País não tinha. Tenho pena que a sua vida tenha sido tão curta porque teria deixado marca na cultura nacional como deixou nestes breves anos como vereador.

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Com ele, a cultura no Porto voltou a sair à rua com uma marca de qualidade e sem preconceitos populistas ou vanguardistas. Não tinha barreiras nem visões utilitárias da cultura, tinha, sim, um sentido estético sem limites e sem preferências por nenhuma das artes. Dava-se bem com toda a criação artística, com todos os ambientes ou espaços. Até no hall de entrada do Município, entre colunas e escadas neo-qualquer-coisa, conseguiu colocar exposições surpreendentes pelo arrojo e o despropósito!

Foi levado por Rui Moreira para a Câmara do Porto, com quem mantinha uma óbvia cumplicidade na gestão do Município. Mas Paulo era o ministro da Cultura que o País precisava porque nunca serviu lobbies, não era de esquerda nem de direita, podia estar no governo que caiu ou no futuro governo. Era sobretudo um homem da cultura.

Em muito pouco tempo, com ele a cultura renasceu no Porto, que encontrou minado por guerrilhas sem sentido e completa e totalmente bloqueado. O Porto era o retrato triste de uma cidade que, usando de uma imagem batida, puxava da pistola sempre que alguém falava em cultura. O Paulo, em muito pouco tempo e de uma forma incansável, abriu teatros, imaginou festivais nunca antes conseguidos, criou projectos, colocou a arte na rua e até fez a Feira do Livro regressar à cidade.

Na última vez que estivemos juntos, levou-me a um concerto da Orquestra da Casa de Música, na avenida, frente à Câmara, e vi o povo do Porto sentado em silêncio a ouvir o Bolero de Ravel. A sua muito especial maneira de ser era retratada em tudo o que fazia, bastava entrar no seu gabinete, onde tinha uma peça de mobiliário vinda de cada projecto cultural que estava a desenvolver ou de espaços recuperados, como a velha cadeira do Rivoli onde me sentei, ou o manequim-bombeiro que espreitava quem reunia.

Nessa sua maneira de ser muito especial, ele encontrou também a forma mais bonita de homenagear os escritores do Porto. Na Feira do Livro, deu o nome de Vasco Graça Moura num ano e de Agustina Bessa Luís noutro, a enormes tílias centenárias que se erguem nos jardins do Palácio de Cristal, em frente à Biblioteca Almeida Garrett.

Não duvido que o seu grande amigo Rui Moreira, presidente da Câmara, dará o seu nome a uma das tílias do Palácio.

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