Ursula von der Leyen, actual presidente da Comissão Europeia e figura escolhida como ‘spitzenkandidat’ pelo Partido Popular Europeu (PPE) para estas eleições europeias, visando uma reeleição à frente da Comissão, tem sido estranhamente apresentada pela AD como um activo eleitoral, a ponto de a sua presença numa acção de campanha no Porto a 6 de Junho ter sido anunciada por Sebastião Bugalho como (mais um) momento de festa.
A vinda de Ursula von der Leyen a Portugal para participar na campanha da AD será provavelmente irrelevante para a grande maioria do eleitorado que vive fora da bolha político-mediática mas, se tiver algum efeito, ele será tendencialmente negativo para a AD. Importa recordar que, no âmbito do denominado ‘Pfizergate’, a actual presidente da Comissão Europeia se encontra sob investigação da Procuradoria Europeia por mensagens trocadas com o director executivo da Pfizer para alegadamente promover a facilitação ilegítima da compra de vacinas contra a Covid-19 na União Europeia àquela farmacêutica. Sendo certo que, apesar de estar sob investigação por possíveis práticas de corrupção e conflito de interesses, Ursula von der Leyen não foi até ao momento acusada da prática de nenhum crime, esta situação deveria ser tudo menos confortável para os membros do PPE (grupo europeu no qual se incluem PSD e CDS).
Mas os problemas de Ursula estão longe de se esgotarem na investigação relativa ao ‘Pfizergate’. De tal forma que durante uma recente visita a Itália, até o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros de Itália, Antonio Tajani, que é também líder do partido Forza Italia e Vice-Presidente do PPE, evitou aparecer em público com a actual presidente da Comissão Europeia, sendo que há forte contestação interna mesmo no interior do Forza Italia sobre o apoio a uma eventual recondução de Ursula von der Leyen.
Mas talvez o mais preocupante seja a visão publicamente declarada da actual presidente da Comissão Europeia sobre a liberdade de expressão. Na sequência da aprovação do Digital Services Act em 2022 – que procura lidar com preocupações legítimas como as relacionadas com menores, a protecção de dados ou a remoção de conteúdos ilegais – Ursula von der Leyen vem expondo a sua perspectiva sobre a necessidade de combater mais agressivamente a ‘desinformação’.
Ironicamente, considerando a investigação em curso sobre o ‘Pfizergate’, Ursula opta por utilizar linguagem e analogias relacionadas com vírus, infecções, vacinas e a necessidade de ‘imunizar’ a sociedade. Para adquirir imunidade social contra a desinformação, a presidente da Comissão Europeia defende que é necessário ir além do ‘debunking’ de informação falsa e adoptar uma abordagem preventiva: o ‘pre-bunking’, que actuaria como uma espécie de vacina (esta presumivelmente não fornecida pela Pfizer) impedindo a desinformação de se espalhar. Se a preocupação com campanhas de interferência externa por potências hostis é perfeitamente justificada, não é menos verdade que o conceito de pre-bunking tal como apresentado por Ursula se aproxima perigosamente da censura prévia – efectuada em larga escala e de forma sistemática. É também por isso muito difícil compreender que alguém que preze realmente a liberdade possa apoiar Ursula von der Leyen.
Esteve bem a IL a distanciar-se de Ursula von der Leyen , assim como não é surpreendente que André Ventura aproveite a proximidade da AD a Ursula para dizer que a actual presidente da Comissão Europeia representa tudo o que o Chega combate. No contexto da actual UE, não é impossível que Ursula von der Leyen acabe por discutir a posição com um candidato ainda pior que ela, mas é de convir que apresentar o apoio à actual presidente da Comissão Europeia como um activo é um convite ao voto em partidos que se opõem à sua recondução.