“Vai emojir para outro lado!” Foi assim que eu ouvi alguém – que acabara de receber como suposta resposta um emoji – reagir oralmente ao seu interlocutor . Para ele, um emoji como expressão de sentimento ainda era aceitável – embora nunca o encorajasse -, mas como substituto de um qualquer entendimento, mesmo rudimentar, era coisa que o seu bestunto não alcançava .

E estava triste: “Com tantas palavras bonitas no abecedário para as usarmos em toda e qualquer circunstância !”, exclamava ele meio-exasperado, “como era possível que tantas pessoas com académico canudo optassem por essa forma usada nas barulhentas creches, às vezes sai uma cara a rir-se, outra um passarinho a voar, um Sol cheio de raios amarelos ou um cãozinho a ladrar ? Coisas de meninas e de meninos,  que o raciocínio nessa etapa primeira do nosso crescimento não é, evidentemente, o nosso elo mais forte. Então, porquê?!”

Hoje, os emojis perderam a aura de novidade, mas compensam essa ausência de prévia excitação e expetativa com o seu imenso impacto junto de biliões de cidadãos-consumidores de várias gerações e passados, que passaram a ver neles um companheiro bonacheirão que tem a vantagem suplementar de estar sempre à distância de um clique .
É um cómodo substituto, nesse universo paralelo, do clássico cão de estimação, com a óbvia vantagem de não se  ter de levá-lo a passear : com efeito, se hoje é comum, em cada bairro , depararmos com espaços públicos específicos para se deixarem os animais ladrar e saltar quanto lhes estiver na gana, já para os emojis não existem as mesmas regalias, porque eles  nunca saem do seu lugar. Nem sequer é preciso trela .

Regressando ao indiscutível sucesso da história dos emojis – concebido por jovens para jovens -, é chegado agora o tempo de lançar algumas pistas de reflexão sobre esse fenómeno.
Será realmente  bom para a sociedade em que vivemos esta suave rendição  coletiva ao poder da imagem ou, na visão de outros , refletirá afinal e somente o velho dito de que uma imagem vale (mais do que) mil palavras ?
Será que, nesse caso, não se confunde –  devido à subreptícia infantilização das pessoas habituadas cada vez mais às dependências de todo o tipo oferecidas por uma sofisticada civilização consumista – o conhecido poder de síntese de uma eventual representação imagética, por um lado, com, por outro, uma atitude marcadamente prática e fácil, característica de uma ligeireza tão feérica como vazia de conteúdo?

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Qual  é, hoje, o gosto pela conversa, e que valor se lhe atribui no mercado das relações humanas ? Aumentou, ou não , o egoísmo das gentes? Será inocente o facto de cada vez mais se verificar que o cidadão adulto, ao chegar a casa no fim do seu dia de trabalho prefere sentar-se e esperar, tal couch-potato, pela difusão de uma qualquer série transmitida por streaming, em vez de atentar conhecer a realidade local e internacional ? Será suficiente ir mastigando tant bien que mal um qualquer vídeo que lhe chegou às mãos, ou confortar-se com um texto que vai ao encontro das suas convições,  para daí se gerar uma hipotética e frutífera discussão, doméstica ou fora-de-portas ? E apetece-lhe fazê-lo?

Que papel é que tem, nisto tudo, o hábito de leitura? Um leitor habitual – de livros , entenda-se – utiliza vulgarmente esta linguagem abonecada para exprimir uma ideia ? Ou exige mais de si por respeito pelo próximo ?
O surgimento do chatgpt e outros sucedâneos torna mais evidente a realidade que nos espreita : estaremos já no limiar da 25.ª Hora. Nada opôr, desde já, a esta evolução, garantirá um gigantesco retrocesso civilizacional .

Sejam quais forem as circunstâncias, uma sociedade que promova, até por omissão, o pecado da preguiça estará inevitavelmente condenada à mediocridade. E os seus cidadãos emojicados,  por sua vez, assemelhar-se-ão a marionetas acríticas e obedientes.