“O partido que a rejeita (coligação) é que assume a responsabilidade plena das consequências de querer governar sozinho, ainda que amanhã veja desaprovado o seu programa de governo ou veja votadas moções de desconfiança. Essa sim, será uma responsabilidade histórica”
(Sá Carneiro, 1976)

O povo votou. O PSD não ganhou: Montenegro teve os mesmos votos de Rui Rio e o PSD acaba com os mesmos 78 deputados do PS, um empate portanto. Foi mesmo o PS que perdeu. Após 8 anos, o povo fartou-se e quis uma alternativa. Não à sua esquerda, que continuou a não aquecer ou arrefecer, mas sim à sua direita: à AD e IL que ficam mais ou menos na mesma, somou-se o grande crescimento do Chega.

Seja como for, Montenegro ficou com a faca e o queijo na mão. Mas parece não saber que fazer com eles.

Começa por dar razão a Pedro Nuno Santos. Afinal o líder socialista estava certo antes do tempo: a esquerda entende-se bem, já a direita é uma confusão em que ninguém se entende.

Montenegro usou o “não é não” na campanha para capitalizar votos. Resultou? Bem se o “não é não” foi bom para o PSD, imagine-se a catástrofe que não era sem ele. Ou então o “não é não” foi mais um tiro no pé que deu votos ao Chega…

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Todavia, a campanha já acabou e a realidade é o que é. Se foi inútil antes, qual a utilidade do “não é não” agora? Trair o resultado global?

Prefere Montenegro desbaratar condições para um governo estável e duradouro e que permita um efetivo rumo alternativo? E que teria como benefício travar o crescimento do Chega. O que aconteceu quando BE e PC apoiaram o PS? Deram um trambolhão. E o CDS quando ajudou o PSD? Desapareceu. Não só o Chega era travado, como da mesma forma que não saímos do Euro ou da UE ou da NATO por ter a extrema-esquerda a apoiar

A quem será isso útil? Bem, depende. Mas os outros não andam a dormir…

À esquerda definem-se estratégias: o Bloco quer unir (chamando a esquerda para uma frente unida), o PC quer dividir (esperando que o PS mostre que não está unido à restante esquerda).

O PS? Bem, Pedro Nuno Santos – beneficiando de um contexto em que aparece como uma cara nova, há muito desejada por alguns militantes do seu partido, e com uma derrota por poucochinho – tem margem para jogadas arrojadas e parece disposto a fazê-las: um abraço de Urso é o que oferece a Montenegro. Ora ajudará Montenegro, ora não ajudará. Se o fizer é porque é o PS que defende os Portugueses. Se não o fizer é porque Montenegro quer irresponsavelmente atacar os Portugueses. O PS ganha tempo para se reorganizar. O PS decide o que é ou não é aprovado. O PS marca os ritmos e decide o tempo de validade de Montenegro. Uma nova espécie de geringonça em que o voto popular para uma alternativa ao PS não é respeitado para logo que possível o PS voltar para o poleiro. Será isto a oposição que Pedro Nuno Santos prometeu?

À direita, também há quem, contra todas as expectativas – as minhas também – pareça cada vez mais ter tido razão antes do tempo: Ventura, quando disse que chegaria a número 1…

De facto, primeiro elegeu 1, depois 12, agora 50, o que já é incrível. Mas não parece ficar por aqui… Quando o centro se une, costuma mirrar e os extremos crescerem (o PC sabe-o muito melhor que o BE, como se vê). Com Montenegro e Pedro Nuno Santos a dançarem o Tango? Com mais de um milhão de eleitores a ser proibido a brincar à democracia no recreio dos líderes do centrão? Com 55% dos eleitores a verem gorada a pretensão de acabar com a influência socialista e a constituição de uma alternativa sólida à direita?

Sim, Ventura sabe que as batalhas perdidas hoje podem ser a vitória na guerra amanhã, sem precisar de fazer mais ou diferente para isso – os adversários trabalham por ele, que apenas tem de manter a vitimização e o barulho… Como se dizia a única oposição ao PS, será agora a oposição aos dois a quem já chamou farinha do mesmo saco.

Talvez não a única. A extrema-esquerda será finalmente oposição. E a IL (em quem votei) talvez seja também oposição. Serão apenas eles as pedras no sapato de Ventura.

Certo é o caos que teremos até sabe-se lá quando – até alguma facada dentro do PS, até uma coligação negativa, até… um espirro que mande abaixo isto tudo e leve o povo de novo a votos. Veremos depois se darão de novo as nozes a quem não tem dentes. Por falta de avisos não será…

João Adrião

Gestor Ambiental e Florestal