António Saraiva acredita que a ideia da Web Summit é boa e traz “ganhos reputacionais” a Portugal, mas há muita coisa que requer explicação e demonstração clara de números, a começar pelo retorno económico de 3 mil milhões de euros ao longo de dez anos, tal como foi anunciado esta quarta-feira. Em entrevista ao Observador, a publicar na íntegra nos próximos dias, o presidente da Confederação da Indústria Portuguesa considera que o anúncio do Governo e da organização da Web Summit se enquadra no “tempo eleitoral” que Portugal já vive, e que suscita sempre “algum show-off”. Diz que os 110 milhões de euros que Portugal vai pagar à organização do evento poderiam ser mais bem utilizados em formação profissional, já que não serão as startups a dar “sustentabilidade económica” ao país. E deixa uma advertência: “Negócios honestos com alto retorno, não há muitos. E se esse é assim tão bom, Portugal está de parabéns”.
Web Summit em Lisboa por mais 10 anos com investimento de 110 milhões
Para António Saraiva, o investimento do Estado português na manutenção da Web Summit em Lisboa, por mais dez anos, é proveitoso para o tecido empresarial português, mas ressalva que outros setores também precisam de uma atenção semelhante por parte do Governo.
“Eu diria que sim, que há outros setores que também mereceriam esse investimento, considerando esse um investimento que podia ser distribuído de outra forma. Com isto não estou a dizer que a Web Summit não tem a vantagem da notoriedade na agenda do digital”, diz o líder da CIP, sublinhando o “efeito reputacional” que a cimeira tecnológica traz a Portugal e os ganhos que dela resultam para o turismo.
Houve setores que ganharam com o efeito reputacional da Web Summit e o turismo é, desde logo, um deles”.
No entanto, também contrapõe que “Portugal, como qualquer país, não vai assentar a sua sustentabilidade económica em startups” já que “a maior parte delas morre pouco tempo depois de nascerem” em um ano ou dois. “Não há Googles nem Facebooks todos os dias”, conclui António Saraiva, repetindo que a Web Summit, ainda assim, trouxe “ar fresco” e “pôs Portugal no mapa”. Mas esse efeito já ocorreu, considera o líder da patronal. “Agora dizer que durante mais dez anos vamos retirar daí o retorno deste investimento, aí — voltando um pouco à religião — já sou como São Tomé”.
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Por isso, sublinha, se fosse ele a decidir gastaria os 110 milhões de euros de investimento previsto para os próximos dez anos em “formação profissional”. “Não vou dizer que não os gastaria, que algum dele não se deva manter. Se dissesse o contrário, daria a ideia que estava contra a Web Summit. E não estou, de todo. É uma boa ideia e aplaudo. Acho que sim, é uma boa medida pelos efeitos que tem. Mas gastaria em formação profissional. Dinamizando centros e escolas profissionais”, conclui.
Já o retorno económico para Portugal — de 3 mil milhões de euros em 10 anos, estimados pelo Governo — suscitam a António Saraiva as maiores dúvidas.
Teriam de me mostrar o plano de negócios que levam a este negócios, as métricas com que se chega a esse valor, que métricas estão subjacentes a esse valor. Que alíneas se somam na equação para chegar a 3, a 2 ou ao que for. (…) Não quero, de maneira nenhuma pôr em causa a bondade dos cálculos que foram feitos… Mas, como eu lhe disse, São Tomé… Provem-me lá que esse valor está no plano de negócios bem definido e que o retorno é de facto esse”.
Por isso, na ausência de números, o presidente da CIP atribui o anúncio desta quarta-feira aos tempos eleitorais que Portugal já vive, “em que é preciso algum show-off“. “Isso é independente do governo ou dos partidos. É assim, é dos livros, como se costuma dizer”.
“Eu sou daqueles que — não sendo velho do Restelo, que não sou — precisa que demonstrem os dados que me apresentam. Se houver provas evidentes de que esse é o retorno, ótimo! Mas provem-me lá onde é que isso é obtido”.
Negócios honestos com alto retorno, não há muitos. E se esse é assim tão bom, Portugal está de parabéns. Parabéns por ter obtido um negócio honesto com alto retorno, num quadro hoje altamente concorrencial. Por isso não ponho em dúvida, mas demonstrem-me lá esse número. Gostava de o conhecer”.