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Um edifício, dois gigantes do surf e uma família: o futuro da estalagem Narciso decide-se esta semana

Este artigo tem mais de 5 anos

Um concurso para a reabilitação do antigo estabelecimento da praia de Carcavelos reacendeu uma antiga disputa entre a família e a autarquia. Pelo meio, há duas marcas de surf interessadas no espaço.

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A praia de Carcavelos já está habituada a grandes duelos de surf, mas aquele que opõe a Quiksilver e a Billabong será talvez dos maiores a que a praia já assistiu – e também um dos mais controversos. O desafio é a reabilitação e futura exploração do edifício onde funcionou a antiga estalagem Narciso – e aquelas duas marcas de surf apresentaram projetos a concurso, cujo vencedor será anunciado na próxima sexta-feira, 31 de outubro. Só que a família Narciso, que explorou a estalagem até 2000, diz-se vítima de roubo e promete não desistir da propriedade do edifício.

A iniciativa do concurso partiu do Centro Recreativo e Cultural Quinta dos Lombos, cuja secção náutica já está instalada no edifício Narciso, que desde setembro do ano passado é o Cascais Surf Center, acolhendo diversas instituições ligadas à modalidade e ao bodyboard.

Falta agora recuperar o que resta do Narciso. “Vai ser um elemento icónico, fazendo a devida homenagem a toda a história ligada ao senhor Narciso que desenvolveu aquele espaço”, disse, na apresentação dos projetos, no início de outubro, Miguel Luz, vice-presidente da autarquia. A homenagem a Narciso Luíz Grave Júnior é merecida, mas não desta forma, defende Luís Narciso Félix, neto do construtor e primeiro proprietário do edifício, que foi erguido nos anos 1950 e encerrou ao público em agosto de 2000.

Nesse ano, o espaço viu-se forçado a fechar portas depois de uma inspeção sanitária ter concluído que não reunia as devidas condições para estar em funcionamento. Mas os problemas do Narciso terão começado em 1998, quando foi aprovado o Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Cascais, segundo o qual a estalagem se encontrava em domínio público marítimo, o que tinha duas consequências. Por um lado, a estalagem passava para a propriedade do Estado. Por outro, a família era obrigada a fazer obras no espaço para não perder a concessão. “Os projetos tinham de ser aprovados pelo Ministério do Ambiente e pela câmara”, relata Luís Narciso, que acusa o município de nunca ter dado o seu aval aos trabalhos.

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A câmara de Cascais confirma que o atual proprietário do edifício é o Estado, “como em todas as restantes concessões no domínio público marítimo”. A família, no entanto, não concorda e escuda-se numa licença de utilização do estabelecimento por 99 anos que teria sido entregue a Narciso Júnior e que, entretanto, terá desaparecido.

“Não tem outro nome: é roubo”, acusa Luís Narciso Félix, que é hoje o membro da família que tenta lutar para reaver o património que o seu avô ergueu entre os anos 1950 e 1960.

“Os descendentes do Sr. Narciso Luíz Grave Júnior sabem bem que nada lhes foi roubado”, responde, por sua vez, a assessoria de imprensa da câmara de Cascais, que alega que o entaipamento do edifício, em 2005 – quando este já se encontrava em avançado estado de degradação -, e as obras de reabilitação, promovidas no ano passado, têm por base um compromisso entre o Governo e a autarquia.

“Existe o compromisso do Estado Central, ainda no anterior Governo e já reiterado pelo atual, de concessionar o espaço à Câmara, assim como delegar na Câmara toda a gestão das concessões, já que tem sido a Câmara a suportar todo o custo com a orla costeira e a manutenção das condições balneares”, afirma a autarquia.

“As passas do Algarve” em Carcavelos

Em 1937, “o meu avô tinha uma barraca que vendia pão e vinho aos trabalhadores” que, na altura, construíam a Marginal, relata Luís Narciso, o neto mais velho de Narciso Júnior, já falecido, que foi uma das primeiras pessoas a desenvolver o surf em Carcavelos, modalidade de que o seu neto viria a ser pioneiro na zona.

Mais tarde, foi construída a estalagem, que além dos quartos tinha também um restaurante, uma gelataria, uma cervejaria e uma esplanada. Eram 6.583 metros quadrados pelos quais se passearam muitos banhistas, habitantes da linha e diplomatas estrangeiros. Apesar da fama, o mar do Narciso nem sempre foi flat. “Foi tudo feito com muito pelo do cão, com muito sacrifício. Passámos ali as passas do Algarve”, afirma Luís, para quem “o trabalho de uma vida inteira [foi] roubado” graças a “um sem-número de manobras” das entidades oficiais.

Hoje, sem a referida licença de utilização dada a Narciso Júnior, os seus descendentes pouco podem fazer para tentar recuperar um dos antigos ex-líbris de Carcavelos. Mas Luís diz que ainda não desistiu e tem truques na manga, que prefere não revelar. Para já, assistirá apenas à decisão de qual das marcas ficará encarregada de recuperar a antiga estalagem.

Gigantes do surf em confronto

O projeto da Billabong, apresentado conjuntamente com a Despomar, empresa que representa aquela marca em Portugal, é o que apresenta menos alterações à estrutura do edifício. “É uma mais-valia para os apaixonados de Carcavelos e do Forte de S. Julião, para quem passa na marginal, para todos os que vão correr para o paredão, para aqueles que estão dentro de água e entre sets gostam de olhar para terra e apreciar a paisagem”, explicou à revista Surf Total Rodrigo Pimentão, responsável da marca. O projeto representa um investimento de 2,5 milhões de euros e, além de uma loja de surf Billabong, incluirá ainda vertentes de alojamento, restauração, lazer e um museu do surf.

Já a proposta da Quiksilver é mais ousada, representando também um investimento maior: 4 milhões de euros. “Para além de uma loja bandeira da marca, apresentámos um hotel com 40 camas, ginásio Fitness/yoga, um museu do surf um espaço de bar/lounge e um skate park“, explica José Gregório, diretor geral da marca no país. Esse skate park tem a particularidade de iniciar-se no exterior do edifício e prolongar-se para o seu interior, o que, para o responsável, é “talvez a grande inovação deste projeto.”

Seja qual for o desfecho do concurso, Luís Narciso afirma que os danos causados já foram de mais. A sua família foi
“desgastada pessoal, financeira e patrimonialmente” ao longo dos anos, diz.

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