O Tribunal Administrativo de Lisboa já recebeu, pelo menos, três pedidos de nulidade da decisão de separar o Banco Espírito Santo (BES) em dois: um com os ativos tóxicos e outro com o que o Banco de Portugal (BdP) considerou como “bom”. A última das três ações contra o BdP foi entregue ao final da tarde de segunda-feira, representa 120 pequenos acionistas e dois obrigacionistas e assenta em fundamentos semelhantes às ações entregues no final da passada semana.
Há pouco mais de um mês, este grupo de acionistas já tinha avançado com ação no Tribunal do Comércio para que lhes fosse prestada informação sobre a solução encontrada para o BES e como a resolução foi feita. Mas o pedido foi indeferido, segundo a decisão tornada pública esta terça-feira pelos advogados dos acionistas.
“O juiz considerou que os autores não alegaram factos concretos que permitissem ao tribunal presumir que a informação não lhes seria prestada, se a pedissem diretamente às administrações”, avançou a sociedade de advogados Miguel Reis & Associados em comunicado.
Miguel Reis, um dos advogados subscritores da petição, considerou estar “perante uma decisão politicamente correta mas juridicamente inaceitável”.
Paralelamente a esta ação, o grupo de acionista interpôs um pedido de nulidade da resolução do BES, anunciada a 3 de agosto. Segundo o advogado Alberto Vaz, as partes tinham três meses para impugnar a decisão de dividir o banco em dois e o prazo estava prestes a terminar.
“Sei que existem três ações e que há fundamentos comuns em todas elas”, disse ao Observador.
Segundo a petição inicial a que o Observador teve acesso, os pequenos acionistas fundamentam-se em cinco pontos fundamentais para considerarem que a solução encontrada para o BES é ilegal e deve ser considerada nula:
- O decreto-lei que confere poderes ao BdP para intervir em situações de desequilíbrio financeiro e que cria o Fundo de Resolução prevê três fases de intervenção, que se diferenciam “em razão da gravidade”. A lei prevê que dentro de pressupostos de “necessidade, adequação e proporcionalidade”, o BdP tome medidas em função ao que melhor “convier aos objetivos de reequilíbrio financeiro da instituição, da proteção dos depositantes, da estabilidade do sistema financeiro como um todo e da salvaguarda do erário público”. E a resolução do banco é o “último recurso”. “Isso não se verificou”, diz o advogado. “As medidas de resolução servem, prioritariamente, para salvar bancos e não para os destruir ou tomar de assalto”, lê-se na petição.
- A deliberação não cumpre o regime legal, que obriga que a “transferência, parcial ou total, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de uma instituição e crédito para um ou mais bancos de transição” é comunicada à Autoridade da Concorrência, refere-se na ação entregue no tribunal. “Isso não foi feito e põe em causa a eficácia da medida de resolução”, explica o advogado ao Observador.
- Violação do princípio de igualdade, previsto no Código do Procedimento Administrativo. “A medida de resolução teve, entre as suas consequências mais evidentes, efeitos de discriminação de acionistas e credores, privilégios de credores e outros fenómenos inequivocamente ilegais”, refere-se no documento. Mais, dizem os acionistas que foram conduzidos “ao engano” porque lhes fizeram acreditar que a situação do BES “era sólida”.
- Invalidade das deliberações adotadas pelo conselho de administração do BdP “por não respeitarem as disposições legais relativas à expressão da vontade dos órgãos coletivos. Isto porque, de acordo “com a investigação” feita pelos advogados dos acionistas, não existem sequer atas que façam referência a esta votação colegial.
- Violação do princípio da boa-fé. “Até ao dia 3 de agosto de 2014 não foi divulgada ao mercado qualquer facto negativo” relativamente ao BES, dizem os acionistas.
Decisão pode ser inconstitucional
O pedido de impugnação feito por vários obrigacionistas (que serão sobretudo estrangeiros), e que deu entrada no Tribunal Administrativo de Lisboa na passada sexta-feira, fundamenta-se mesmo na inconstitucionalidade da decisão de resolução do BES. E, para fundamentar a ação, os autores socorrem-se de um parecer assinado por Paulo Otero e Jorge Miranda.
Ao Observador, o constitucionalista Paulo Otero, confirmou “graves inconstitucionalidades na medida de resolução”, recusando explicar mais detalhes uma vez que foi o autor do parecer.
Contudo, ao que o Observador apurou, em causa estão dois aspetos: o facto de a própria medida de resolução violar a Constituição (no que se refere aos princípios da igualdade e proporcionalidade), isto porque há dúvidas que a medida, que resulta de uma diretiva europeia, não choque com os princípios da Constituição portuguesa. Os obrigacionistas também têm dúvidas sobre os poderes do próprio Banco de Portugal em agir sobre esta matéria.
Um outro argumento, também usado pelos pequenos acionista, prende-se com a autorização legislativa do Governo. Dizem que devia ser o Parlamento a decidir sobre a legislação relativa à resolução e não o Governo, como acabou por acontecer.