Xanana Gusmão afirma que não falou pessoalmente com o primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho, sobre a expulsão de magistrados portugueses por estar “atrapalhado com outras atividades”. As declarações foram feitas esta terça-feira numa entrevista transmitida em direto pela Rádio Televisão de Timor-Leste, onde o líder do Executivo timorense sublinhou que nada tem contra os funcionários internacionais, nomeadamente portugueses, e que a atitude se deve apenas à defesa dos “interesses do povo”.
“Eu disse que tinha estado atrapalhado com outras atividades”, disse quando questionado sobre a reação de Portugal à decisão do Governo timorense. Xanana Gusmão avançou, mesmo, que Passos Coelho lhe disse estar surpreso e lhe perguntou por que razão nunca houve partilha de informação entre os dois governos. Mas em vez de falar com o primeiro-ministro, Xanana Gusmão garantiu que já tinha falado com outras entidades em Portugal – nomeadamente com o presidente do Tribunal de Contas – sobre os novos modelos de cooperação no setor da justiça e pedido o envio de peritos.
“Quando fui a Lisboa falei com o presidente do Tribunal de Contas e com o ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça sobre novos modelos de cooperação. O assunto também já foi abordado com a ministra da Justiça em Portugal”, disse. E sublinhou ainda que a ordem de expulsão dos cidadãos se trata de garantir os “interesses do povo”, insistindo que é uma questão de segurança do Estado.
À TSF, o presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d’Oliveira Martins, confirmou que falou com o primeiro-ministro timorense. “Dada a relação pessoal, muito antiga, que tenho com o primeiro-ministro Xanana Gusmão, houve uma conversa pessoal e reservada. Nessa conversa também foi referida a cooperação extremamente frutuosa que se tem desenvolvido com o Tribunal de Contas”, disse.
As declarações de Xanana Gusmão surgem depois de Timor-Leste ter ordenado aos serviços de emigração a expulsão, no prazo de 48 horas, de oito funcionários judiciais internacionais, incluindo cinco juízes, um procurador e um antigo oficial da PSP, todos de nacionalidade portuguesa, assim como um outro de nacionalidade cabo-verdiana. As reações do Governo português chegaram na segunda-feira, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que disse lamentar a expulsão dos magistrados.
No dia 24 de outubro, o parlamento timorense já tinha aprovado uma resolução a suspender os contratos com funcionários judiciais internacionais “invocando motivos de força maior e a necessidade de proteger de forma intransigente o interesse nacional” e outra a determinar uma auditoria ao sistema judicial do país.
“Disse que queria procurar caminhos para que os nossos recursos humanos pudessem intervir em assuntos que ainda não conseguem e pedi ao Governo português para mandar mentores fiscais, não apenas para o Ministério Público, mas também para o tribunal distrital de Díli e Tribunal de Recurso, mas têm de ser mentores seniores, com muita experiência, porque o Tribunal de Recurso tem de ter capacidade e experiência”, disse o primeiro-ministro timorense.
Auditoria devida a falhas no sistema judicial, diz Xanana
Xanana Gusmão justificou ainda a auditoria ao sistema judicial do país com falhas que foram detetadas nos processos contra as empresas petrolíferas e que fazem o Estado perder dinheiro. “Nós vamos partilhar os erros que já foram detetados desde a insuficiência de factos, a insuficiência de argumentação jurídica, falta de conhecimento sobre os casos, nomeadamente no que se refere aos que envolvem os contratos com as empresas petrolíferas. No final, o Estado tem de pagar”, afirmou Xanana Gusmão.
“Há muitos casos em que não são contestados os factos, não há fundamentação legal para defender o Estado, misturam os processos todos, mesmo que sejam sete questões diferentes, põem tudo junto”, lamentou o primeiro-ministro.
Segundo Xanana Gusmão, em todos os processos com empresas petrolíferas o “Ministério Público tem um grande desconhecimento do problema, da matéria e falta de compreensão das leis e sobre os factos existentes nos processos”. “Os internacionais foram contratados para apoiar na capacitação dos timorenses, mas acontece o contrário ou não ensinam ou ensinam mal”, disse.
Em relação aos tribunais, Xanana Gusmão disse que não entendem a diferença entre a Autoridade Nacional do Petróleo e a Direção-Geral de Impostos e que os “juízes tomam decisões iguais em processos diferentes”, afirmou, denunciando que são feitas cópias de uns processos para os outros incluindo dos erros ortográficos.
“Eu só tenho o ensino secundário por isso digo que temos de pedir a pessoas que são mais competentes, porque isto não é um problema do código de processo civil ou penal isto é um problema do petróleo e é complicado”, afirmou.
Na entrevista, Xanana Gusmão explicou também que recorreu a dois professores catedráticos da Universidade de Coimbra, que identificaram problemas nos contratos com as petrolíferas. “Nós queremos a lei internacional, o direito internacional e porquê peritos em direito, porque os nossos tribunais ainda aplicam incorretamente a lei”, salientou, dando como exemplo a utilização num processo de disposições de um regulamento que já tinha sido revogado.
Xanana Gusmão afirmou também que por causa daquelas falhas, o Estado já perdeu 35 milhões de dólares (27,9 milhões de euros), mas que em causa estão 378 milhões de dólares (301,5 milhões de euros) em processos com empresas petrolíferas. “Ainda somos frágeis, ainda não estamos unidos sobre o que são os interesses da nação”, afirmou, acrescentando que há muita coisa que ainda não pode referir.
“Há muitas coisas que eu não posso dizer aqui. Agora não pode ser dito. O que eu disse foram coisas gerais, mas há muita coisa”, concluiu.
Em julho de 2012, o Governo timorense anunciou que estavam em curso várias ações judiciais contra multinacionais petrolíferas para recuperar dinheiro de impostos, incluindo a Conoco-Phillips, relativo a obrigações legais resultantes dos contratos de produção na Área de Desenvolvimento Petrolífero Conjunto.