António Costa prometeu que, no caso de vir a ser eleito primeiro-ministro, vai repor os cortes nos salários da função pública de forma integral em 2016. O Observador foi saber junto dos seus conselheiros económicos se essa promessa é, ou não, realizável e que consequências terá na política orçamental de um futuro Governo socialista. A resposta foi que sim, que é possível, mas que isso reduz a margem de manobra para, por exemplo, baixar impostos.
O antigo ministro das Finanças do Governo de José Sócrates, Luís Campos e Cunha, deixou o aviso: o Orçamento do Estado de um futuro Governo socialista vai implicar que se faça opções – “se se seguir um dado caminho, isso implica não ir por outro. Se se reduzir impostos implicaria, por exemplo, não repor os salários, ou vice-versa. São opções, mas não há opções sozinhas – têm de ser vistas em conjunto”.
No entanto, quando questionado sobre se a promessa de António Costa de repor integralmente os cortes nos salários da função pública em 2016 implicaria necessariamente a manutenção da carga fiscal, Campos e Cunha negou que fosse essa a posição do PS, reiterando, mais uma vez, que as opções têm de ser avaliadas “em conjunto” e que um “um orçamento tem milhares de opções, pequenas e grandes”.
Já João Cravinho, outro dos 19 economistas que reuniram com o candidato do PS a primeiro-ministro a 10 de outubro, acredita que a promessa socialista não só é realizável, como está “inscrita numa estratégia orçamental” que o PS vai desenvolver se formar Governo em 2015. Caso contrário “António Costa não faria essa promessa”, reforçou o ex-ministro de António Guterres.
Ainda assim, Cravinho lembra em declarações ao Observador que o “momento económico de grande incerteza” e de “grande instabilidade nos mercados internacionais” pode fragilizar a saúde financeira de Portugal e da Europa, garantindo que o PS vai estar pronto para responder a esses desafios.
O antigo ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território desvalorizou o desejo do Governo PSD/CDS de repor os salários dos funcionários públicos gradualmente e até 2019. Cravinho disse mesmo desconhecer qual é a verdadeira intenção do Governo. “Quando Pedro Passos Coelho promete antes das eleições, já se sabe que é para não cumprir”, afirmou o economista.
O que defende o PS: reposição integral dos cortes salariais ou de forma graduada?
A posição do PS sobre a reposição integral dos cortes salariais da função pública foi conhecendo evoluções ao longo dos dois dias de debate orçamental. No primeiro dia de debate, José Vieira da Silva, o responsável pela área das finanças da bancada socialista, admitiu não estar “em condições de ter uma opinião definitiva” sobre o acórdão do TC, que aceitou a manutenção dos cortes dos salários dos funcionários públicos para este ano e para o próximo, mas que o negava para os anos a seguir (tal como tinha sido proposto pelo Governo). Garantia, no entanto, que “naturalmente”, o PS “cumprirá os acórdãos do Tribunal Constitucional”.
Nesse mesmo dia, à noite, António Costa dizia no programa Quadratura do Círculo que “é difícil que a leitura do TC não leve à conclusão que deve haver uma reposição integral tão rápida quanto possível, se não imediata [dos salários]”. E por fim, no último dia de debate orçamental, a deputada socialista Ana Catarina Mendes viria a dissipar qualquer dúvida que eventualmente restasse: “[O PS] não afrontará o Tribunal Constitucional, nem insistirá em manifestas inconstitucionalidades. A reposição integral dos salários é mesmo para 2016”.
Posição partilhada por Fernando Freire de Sousa, também ele ex-ministro de Guterres. O economista reforça a ideia que “a posição do PS não corresponde a uma promessa mas ao cumprimento da lei”. Ou seja, “a proposta do Governo de reposição gradual seria, na mesma perspetiva, ilegal”.
No entanto, Freire de Sousa não deixou de sublinhar, tal como os seus colegas economistas ouvidos pelo Observador, que “as circunstâncias” económico-financeiras que um futuro Governo socialista pode vir a enfrentar, apesar de não tornarem irrealizável a missão de repor os salários da função pública em 2016, “diminuirá a margem de manobra governativa num contexto que é reconhecidamente muito difícil”.
Outra dos conselheiros de António Costa em questões económicas, Carlos Costa Pina, garantiu que, do seu ponto de vista, o que diz a Constituição e o que decide o TC “é para cumprir”, logo, não aceitar a decisão do TC, “implicaria rever a Constituição”. O próximo Governo terá, por isso, de adotar políticas económicas e financeiras que lhe permita repor a totalidade dos salários da função pública, sem colocar em risco o crescimento económico.
“Sabemos que a conjuntura recessiva foi agravada pelas opções de austeridade para além do que a Troika exigiria e do que a Constituição permite. Importa por isso criar condições para que os ganhos financeiros resultantes do crescimento económico permitam ao Estado honrar a Constituição, devolvendo aos trabalhadores os cortes salariais que lhes foram impostos. A política económica e financeira deve ser construída tendo também isso por objetivo”, sublinhou o ex-secretário de Estado do Tesouro e Finanças do Governo de José Sócrates.