Xanana Gusmão disse esta quarta-feira em entrevista à Agência Lusa que a negligência e até a má-fé de atores judiciais em casos contra companhias petrolíferas levaram à decisão da expulsão dos funcionários internacionais. “Eu não tenho o direito de dizer que isto é incompetência, que nos faz perder dinheiro do Estado?”, questionou. Apesar do tom, o primeiro-ministro timorense vincou ainda que este processo “não é nada contra Portugal”.

O governo de Timor-Leste ordenou na segunda-feira a expulsão, no prazo de 48 horas, de oito funcionários judiciais, sete portugueses e um cabo-verdiano, depois dos responsáveis pelo setor judicial timorense rejeitarem acatar a resolução que determinava a suspensão dos contratos e a realização de uma auditoria ao setor. Os alarmes diplomáticos disparam pouco depois em território português. Xanana Gusmão, que negou a intenção de “esfriar as relações com Portugal”, apelou à redução da “emoção com que se expressam” aqueles que comentam ou reagem ao caso da expulsão dos magistrados do país.

“Não permitiremos que a nossa soberania seja violada. Entendam que não é nada contra Portugal, não é nada contra os portugueses que estão aqui”, disse o primeiro-ministro timorense. Xanana Gusmão apelou aos portugueses que entendam que este é um caso de soberania e interesse nacional. “O nosso desejo foi só o de interromper o ambiente viciado em que nós perdemos dinheiro quando exigimos às companhias [petrolíferas] para nos pagarem o que deduziram por fraude”, explicou.

“Eu não tenho o direito de dizer que isto é incompetência?”

Toda esta polémica surgiu devido à derrota em 16 dos 51 processos em tribunal, nos quais estão em jogo cerca de 300 milhões de euros em impostos e deduções ilícitas que as empresas petrolíferas devem ao país, explicou.

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“Em 16 casos já julgados, o Estado perdeu todos”, informou Xanana Gusmão, explicando que foram perdidos 28 milhões de euros. E continuou: “Verificámos erros inadmissíveis. E aqui coloca-se o problema das competências. Se tivéssemos tido uma cooperação, dizem sempre que os tribunais são independentes, estão acima da lua, as coisas não se tinham levantado tanto assim.”

O primeiro-ministro informou ainda que a resolução do parlamento não abrangia todos os internacionais no setor, mas sim aqueles envolvidos em casos judiciais com as petrolíferas. O tom de Xanana não baixou: “Os erros foram tantos, foram tão inadmissíveis que paramos para não influenciar o processo, porque estamos em recurso para recuperarmos o dinheiro que é nosso. (…) Eu aceitaria se perdêssemos porque não apresentámos bem os factos ou não temos visão. Não aceito por irregularidades, negligência e talvez diga má-fé por parte de alguns atores, que nos fazem perder os processos”, afirmou.

“Eu não tenho o direito de dizer que isto é incompetência, que nos faz perder dinheiro do Estado?”, questionou. “Tudo junto são 28 milhões que perdemos só por causa disso”, disse, insistindo que vai reestruturar o setor da justiça no país.

Xanana Gusmão explicou ainda na entrevista à Lusa que fez um pedido ao parlamento para não levantar a imunidade aos membros do governo até ao final do mandato. “O não levantamento da imunidade é apenas para dizer para nos darem tempo para trazermos mentores de Portugal para ajudar. Não levantar a imunidade não é pedir ao tribunal para arquivar o processo”, explicou.

Ministério dos Negócios Estrangeiros português deplorou a decisão

O governo reagiu pouco depois da polémica estalar, na segunda-feira, dizendo estar a acompanhar a situação “com profunda preocupação e desconforto”. Na altura, o Executivo português queixava-se da falta de esclarecimentos, que chegariam 48 horas depois, pela voz de Xanana Gusmão.

“O Governo Português deplora, por claramente desproporcionadas, as súbitas revogações de vistos e de autorizações de estada (…)”, pode ler-se na nota enviad às redações pelo ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE). Lisboa tem realizado “sucessivas diligências e contactos político-diplomáticos de alto nível” junto de Díli nos últimos dias.