Da esquerda à direita, os principais históricos dos vários quadrantes políticos não faltaram à comemoração dos 90 anos de Mário Soares, num dia em que as antigas rivalidades foram postas de lado e todos se sentaram na mesma sala para homenagear o fundador do PS e um dos principais rostos do 25 de abril e dos últimos 40 anos da política portuguesa. Soares lembrou que todos que ali estavam na sala com ele em 2014 e viveram os momentos dramáticos da transição para a democracia quiseram sempre a mesma coisa: liberdade.
No estilo muito próprio, Soares no seu curto discurso arrumou logo a questão de quem estava e não estava agradecendo aos “amigos e não amigos” pela presença. Agradeceu em primeiro lugar aos médicos que o ajudaram a recuperar da encefalite que sofreu há dois anos, nomeadamente a António Damásio e à sua mulher, presentes na sala – “não foi nem é uma coisa de brinquedo”, falou sobre novos e velhos amigos como António Costa e Fernando Henrique Cardoso e para os “não socialistas”, que eram alguns na sala, disse que o objetivo comum e que os juntou tantas vezes na vida foi sempre o mesmo: “liberdade, democracia e respeito pelos outros”.
Ainda nos discursos, António Costa disse que apesar de Soares lhe ter confidenciado esta semana que desta vez é que se retirava mesmo da política – disse-o aos 80 anos e voltou passado pouco tempo para se candidatar às presidenciais -, o líder do PS está “descansado” porque diz que a política é que chama Soares e é ele que continuar a recordar às gerações mais jovens que “há muito combate para fazer”.
No entanto, as palavras que mais fizeram rir a sala foram as do neto de 11 anos, filho de João Soares, que disse nunca ter conhecido Soares como primeiro-ministro ou Presidente – diz ter uma peça de loiça das Caldas para lhe recordar a memória que não viveu das presidenciais abertas -, mas sim como seu avô. A propósito de uma notícia recente sobre o seu alegado envolvimento com uma enfermeira noticiado pelo Correio da Manhã, Soares aproveitou a ocasião para dizer que se tratava de “uma mentira” e que depois de 66 anos de casamento – teve de perguntar a Maria Barroso há quantos anos estavam casados – não se podia por em causa o seu amor pela mulher, pelos filhos e pelos netos.
Uma festa para todos
Mário Soares nunca foi discreto e por isso, a sua festa de 90 anos, não podia destoar. Mais de 250 convidados – entre eles os fundadores dos principais partidos portugueses como Francisco Pinto Balsemão e Freitas do Amaral, mas também figuras da esquerda como Carvalho da Silva e João Semedo -, uma estrela internacional na pessoa de Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil, um apresentador famoso – Júlio Isidro foi o mestre de cerimónias -, momentos de ternura com os discursos dos netos em nome da família e um fenómeno da atualidade política encarnado por António Costa, recém formalizado líder do PS. Uma festa que mostrou que aos 90 anos, e tal como Fernando Henrique Cardoso disse ter presenciado quando Soares fazia as suas presidências abertas no tempo que passou em Belém, Soares não parece ser só o pai da democracia, mas também o “rei dos portugueses”.
Costa sentou-se na mesa do aniversariante, assim como o presidente brasileiro, a mulher Maria Barroso, os filhos João e Isabel, o casal Sampaio – esquecendo antigas rivalidades – e ainda o companheiro de todas as horas e histórico socialista, Almeida Santos. “É uma vida inteira de luta comum, um dos melhores amigos de sempre, devo-lhe muito e ele não me deve tanto a mim”, disse Almeida Santos, afirmando que Soares é um homem “muito grande”.
Nas mesas mais afastadas estavam políticos, jornalistas, advogados e outras figuras destacadas da vida portuguesa. Daniel Proença de Carvalho marcou presença, assim como Leonor Beleza, mas também Eduardo Lourenço, Ferro Rodrigues, João Cravinho, Carlos do Carmo, Rui Nabeiro e jovens do PS como Pedro Nuno Santos e Pedro Delgado Alves. Sobre o aniversariante, com quem esteve no Governo em 1978 e de quem afirma ser amigo pessoal, Freitas do Amaral disse: “Eu não esqueço e nenhum português deve esquecer que Mário Soares foi o português que combateu com mais vigor a ditadura de direita antes do 25 de abril e a tentativa da ditadura de esquerda em 1975”.
Também estiveram presentes neste almoço Adriano Moreira, acompanhado pela filha Isabel Moreira, deputada do PS. O histórico do CDS disse que vinha “reconhecer o serviço que Soares prestou ao país”, para além da estima pessoal que diz sentir pelo socialista.
Para cantar os parabéns chegou Santana Lopes, provedor da Santa Casa da Misericórdia e antigo primeiro-ministro. Sentou-se ao lado de Soares a meio do almoço e aí permaneceu durante mais de uma hora conversando animadamente.