Mais atenção para as denúncias anónimas e mais peritos a trabalhar em cooperação com os procuradores do DCIAP são alguns passos que podem ser dados para intensificar a luta contra a corrupção. Quem o diz é Amadeu Guerra, procurador-geral adjunto e diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, que esteve esta tarde no Centro de Estudos Judiciários numa conferência para assinalar o dia internacional de combate à corrupção. É que, ao contrário dos chamados “crimes de rua”, os “crimes de gabinete” são muito difíceis de provar: raramente têm provas documentadas, não têm vítimas, os envolvidos nunca falam e as testemunhas, quando há, tendem a não revelar nada “com medo de represálias”.
Perante estas dificuldades, diz Amadeu Guerra, é fundamental criar condições para que as instituições apostem na prevenção e identificação dos crimes não depois de serem cometidos, porque nessa altura é mais difícil de encontrar o “rasto dos papéis”, mas sim no momento em que os delitos estão a ser praticados. Aumentar as fiscalizações às denúncias precoces, e muitas vezes anónimas, é, segundo o procurador-geral adjunto um importante ponto de partida para que os inquéritos-crime decorram durante as práticas criminais e não anos depois.
Segundo o diretor do DCIAP, a grande maioria das denúncias relacionadas com crimes económico-financeiros não é de crimes de corrupção, mas sim de fraude fiscal ou branqueamento de capitais. Só este ano, disse, foram feitas 1.625 denúncias (cerca de 800 anónimas), sendo que apenas 73 diziam respeito ao crime de corrupção. Em 2013, os números tinham sido relativamente superiores, com um total de 2361 denúncias e 109 relativas a corrupção. No caso das comunicações feitas ao DCIAP sobre branqueamento de capitais, a proporção é idêntica. Este ano, de um total de mais de 2.600 comunicações resultaram apenas 43 suspensões de operações bancárias e a abertura de 43 inquéritos-criminais.
Uma vez chegadas ao DCIAP, as denúncias são analisadas por três procuradores que decidem se têm ou não fundamento para avançar. São um “bom instrumento de ponto de partida para a investigação” mas, segundo Amadeu Guerra, não chegam para levar as investigações a bom porto e para encontrar e punir os culpados. E aí, o magistrado identifica alguns obstáculos principais:
- Excesso de centralização no DCIAP que pode ser prejudicial às investigações – devia haver maior complementaridade com os DIAP distritais, diz. “Seria desejável que as denúncias anónimas (que acabam na maior parte dos casos arquivadas) pudessem ser partilhadas com os DIAP distritais, que conhecem melhor a realidade criminal da região onde os delitos terão ocorrido”, defendeu.
- Falta de especialização – Amadeu Guerra defende que haja uma melhor delimitação das competências do DCIAP na condução deste tipo de crimes. “Temos de ponderar muito bem os aspetos que têm a ver com a competência do DCIAP no domínio destes crimes de cariz económico”, disse, sublinhando que o DCIAP deve contar com a colaboração de peritos desde o primeiro momento da investigação para “nos indicarem o caminho certo para não andarmos à deriva na investigação”.
- Entidades que fiscalizam têm uma dimensão nacional mas as fraudes operam numa dimensão internacional. A evasão fiscal é muitas vezes facilitada pelas empresas de fachada no estrangeiro ou por sociedades sediadas em paraísos fiscais ou através da banca online, o que torna os processos mais lentos devido à necessidade de haver uma forte cooperação com as instituições internacionais. “A prova até pode existir mas está sempre dependente das instituições internacionais”, lamenta.
Para tentar contornar estes obstáculos, Amadeu Guerra afirma que, em maio deste ano, designou uma procuradora da república apenas destinada a coordenar o diálogo com os vários Departamentos de Investigação e Ação Penal e criou uma nova estrutura no DCIAP que divide duas equipas, uma destinada só ao combate ao crime violento, e outra destinada ao combate ao crime económico-financeiro. O objetivo, diz, é apostar na maior especialização e no “melhor aproveitamento dos recursos disponíveis” para combater este crime silencioso.
E ainda assim, deixa um recado: “Não podemos deixar de investigar nem de afetar recursos para esta luta, mesmo sabendo que dificilmente vamos chegar a uma acusação”. Como tornar esta uma luta com mais frutos é o que está no centro do debate.