José Sócrates, ex-primeiro-ministro e atual recluso 44 do Estabelecimento Prisional de Évora, pode não ter sido o verdadeiro autor do livro Confiança no Mundo – Sobre a Tortura em Democracia. Na verdade, terá sido um professor catedrático português a escrever a obra, segundo avança o jornal Sol, que cita uma fonte próxima do processo.
Esta será, pelo menos, a convicção dos investigadores do Ministério Público (MP). De acordo com o Sol, a equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira, que analisou centenas de horas de escutas telefónicas, recolheu fortes indícios de que terá sido um professor universitário da mesma geração de José Sócrates a escrever o livro. Aliás, o mesmo professor teria a missão de escrever uma nova obra, também sob a autoria do antigo primeiro-ministro, cujo título seria Carisma. Aparentemente, o plano acabou por não se concretizar depois de Sócrates ter sido detido e preso preventivamente ainda em novembro.
Na altura, quando José Sócrates apresentou o livro, fê-lo explicando que se tratava de um trabalho académico que realizara para o Instituto de Estudos Políticos parisiense (“Science Po”). O homem que conduziu os destinos do país entre 2005 e 2011 chegou mesmo a dizer, em entrevista ao Expresso, que tinha escrito o livro em francês e depois o traduzira para português. Uma versão dos acontecimentos que o MP parece não partilhar.
O próprio Tribunal da Relação acabaria por invocar o livro de José Sócrates para justificar a concordância com a medida de coação aplicada pelo juiz Carlos Alexandre. Na base desta decisão, conhecida no passado dia 17, esteve o esquema criado, alegadamente, pelo ex-governante e pelo amigo Carlos Santos Silva para fazer disparar as vendas do livro, que reforçaram as suspeitas da investigação.
De acordo com o acórdão da Relação, ao qual o Sol teve acesso, os juízes desembargadores não tiveram dúvidas: Sócrates tinha à sua disposição meios suficientemente capazes de perturbar a recolha de provas necessária à conclusão do inquérito. A prova? O esquema de “autopromoção” que tinha montado.
“A destreza comunicacional e capacidade de contactos do arguido é notória e muito elevada, dela se retirando, em face dos indícios recolhidos, fortíssimas evidências de capacitação na manipulação de factos“, pode ler-se no acórdão assinado pelos juízes Agostinho Torres e João Carrola.
Mas as considerações dos juízes da Relação não se ficam por aqui: “Veja-se, a título de exemplo, a autopromoção que foi feita ao livro que [Sócrates] escreve, dando-lhe uma aparente publicidade e êxito editoriais muito acima do que seria resultante do real interesse de aquisição e de sucesso da obra e que demonstra, pelo menos indiciariamente, uma falha grave de seriedade intelectual, sobretudo vindo de alguém que, como ele, exerceu altas funções governativas, mas de quem se esperaria um comportamento de transparência e de probidade”.
Além de Carlos Santos Silva, estariam envolvidos neste esquema o motorista João Perna, o advogado Gonçalo Ferreira, os deputados socialistas André Figueiredo e Renato Sampaio, Inês Rosário (companheira do empresário da Covilhã), Lígia Correia (secretária em governos do PS) e o empresário Rui Mão-de-Ferro. Pelo menos, esta é a convicção dos investigadores do MP, que reuniram provas de que um total de 170 mil euros terá sido distribuído por estes colaboradores, que depois usariam os fundos para comprarem exemplares da obra. Também a Relação acredita que há fortes indícios que o esquema tenha, de facto, existido:
“Lembramos que um dos factos imputados e já fortemente indiciado foi o de, por forma a garantir o sucesso de vendas da mesma publicação, o arguido José Sócrates ter angariado um conjunto de colaboradores para efetuarem aquisições de exemplares do mesmo livro, em diferentes pontos do país, aos quais passou a fazer entrega de fundos. (…) Segundo os indícios recolhidos, parte significativa dessas vendas teria sido introduzida artificialmente”, escreveram os juízes da Relação.
Por fim, com base neste e noutros indícios, o Tribunal da Relação concluiu que existiam “sinais muito claros de receio justificado na falta de idoneidade do arguido, o que mais acentua o elevadíssimo risco de perturbação do inquérito” e, por isso, decidiu manter, por unanimidade, a prisão preventiva aplicada a Sócrates pelo juiz de instrução Carlos Alexandre.