As eleições legislativas vão ser a 4 de outubro. O Presidente da República anunciou, numa comunicação ao país ao início da noite desta quarta-feira, que decidiu marcar as eleições para esse dia, que tinha, aliás, merecido o acordo por parte de todos os partidos.
Começando por destacar a especial importância das próximas eleições para o futuro dos portugueses, tendo em conta os “complexos desafios que o país enfrenta”, Cavaco Silva fez questão de deixar o aviso: não serão admissíveis “soluções governativas construídas à margem do Parlamento, dos resultados eleitorais e dos partidos políticos“.
Num discurso marcado pelo apelo ao consenso e ao esforço de compromisso entre as diferentes forças partidárias, o chefe de Estado sublinhou a necessidade de se chegar a “uma solução governativa estável e duradoura”. “Sem elas será muito difícil alcançar a melhoria do bem-estar a que os nossos cidadãos justamente aspiram”. Por isso, e depois de todos os “sacrifícios” que fizeram, “os portugueses têm o direito e o dever de exigir um Governo estável e duradouro“, insistiu.
E se dúvidas restassem sobre a posição de Cavaco Silva, o Presidente da República fez questão de dissipá-las: “É extremamente desejável que o próximo Governo tenha um apoio maioritário e consistente na Assembleia da República”. É isso que acontece em quase todos os países da União Europeia e é esse o exemplo que os políticos portugueses devem seguir, insistiu Cavaco. “Não há nenhum motivo para que portugueses sejam uma exceção” nem tampouco é “concebível que os nossos líderes partidários sejam incapazes de alcançar compromissos em torno dos grandes objetivos nacionais”.
Na mesma linha, e lembrando as dificuldades que os anteriores Governos minoritários enfrentaram – de “incerteza” de instabilidade permanente e de “contínua ameaça da queda do Executivo” – Cavaco Silva defendeu que o país “não pode dar-se ao luxo de juntar problemas político-partidários” à difícil conjetura económica. [Portugal] precisa de um Governo “sólido, estável e duradouro” e “cabe aos partidos a responsabilidade pelo processo de negociação, visando assegurar uma solução governativa estável e credível que disponha de estabilidade”.
Em noite de recados, Cavaco Silva pediu uma campanha eleitoral serena e elevada que não resvale “numa crispação sem sentido”, na “agressividade verbal”, na “crítica radical” e na “intransigência”. É preciso preservar “as pontes de diálogo entre as forças partidárias e os diversos agentes políticos” para que uma próxima solução governativa não fique comprometida à nascença, reforçou o Presidente da República.
Na terça-feira, Cavaco Silva recebeu todos os partidos com assento parlamentar para os ouvir sobre as suas preferências. PSD, PS e CDS concordaram que a data mais indicada seria 27 de setembro – para acelerar a formação de um Governo e a preparação do Orçamento seguinte. Todos, mesmo assim, disseram que seria aceitável o dia 4 de outubro.
Com as eleições a 4 de outubro, o período de campanha eleitoral arrancará a 20 de setembro.
PS estranha discurso de Cavaco. PSD nem por isso
Ninguém olhava com maus olhos para o 4 de outubro, mas ambos preferiam 27 de setembro para irem a votos. Cavaco Silva trocou-lhes as voltas e acabou por escolher o primeiro domingo de outubro para a realização das eleições. Ainda assim, PS e PSD acreditam que o próximo Governo vai ter tempo para preparar o Orçamento do Estado para 2016. Mas os socialistas não gostaram do que ouviram de Cavaco.
O Presidente da República insistiu na “necessidade de compromissos entre os partidos” partindo quase da certeza que o próximo governo não vai ter “maioria absoluta. Não me parece que seja correto”, começou por dizer Ferro Rodrigues, líder parlamentar do PS, no frente a frente com Luís Montenegro, na SIC Notícias.
“As sondagens mais importantes são as que acontecem na última fase da campanha, depois dos debates entre os líderes. É importante recordar que nunca houve nenhum debate entre Passos e Costa”, sublinhou Ferro, antes de acrescentar, mais uma vez, que o PS continua apostado em garantir a maioria absoluta.
O socialista acredita que o discurso de Cavaco Silva acompanha “uma certa obsessão” que existe entre alguns setores políticos que insistem em criar um casamento forçado entre PS e PSD/CDS. Mas os socialistas não querem fazer parte de uma política com a qual não estão de acordo e Ferro até se serviu dos exemplos europeus para explicar porquê. “Em todos os países em que houve acordos entre as forças socialistas e a direita, as forças socialistas ficaram feitas num oito”.
Antes, já Ascenso Simões, diretor de campanha do PS e número 1 por Vila Real, tinha afirmado que “as eleições de 4 de outubro ganharam uma nova dimensão, uma vez que o Presidente da República entende que nós precisamos de uma maioria absoluta”.
À Agência Lusa, Ascenso garantiu, ainda, que “o PS é a única força política que tem condições de cumprir alguns dos critérios que o senhor Presidente da República identificou, designadamente a apresentação de proposta claras e sustentáveis e também de futuro para a crise que temos vivido”.
Já Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, viu no discurso de Cavaco um apelo à “estabilidade política” para lá de qualquer forma de incentivo a um casamento forçado entre PS e PSD. Nem tampouco uma assunção clara de que não vai haver uma maioria absoluta, assegurou. “Não me parece que houvesse essa intenção tão velada em admitir que poderá não haver pela pronúncia do povo uma solução maioritária no Parlamento”. Montenegro acredita Cavaco quis passar uma mensagem de responsabilidade para que seja possível “preservar a situação de solidez e de estabilidade” conseguida pelo atual Executivo.
Reagindo também às palavras de Cavaco Silva, o vice-presidente do CDS-PP Nuno Melo crê que a coligação com o PSD vai conseguir, nas próximas eleições legislativas, obter a maioria que a estabilidade no país exige. “É exatamente por isso que o PSD e o CDS celebraram uma coligação, depois de concluído com sucesso o ciclo de ajustamento, a pensar nessa mesma maioria, que acreditamos vamos obter, na estabilidade que o país precisa”, afirmou à Lusa.
PCP recusa falar em maiorias absolutas. BE critica Cavaco
João Oliveira, líder parlamentar do PCP, também já reagiu às palavras de Cavaco Silva. “Os portugueses têm os exemplos das maiorias absolutas do primeiro-ministro Cavaco Silva, do primeiro-ministro José Sócrates, desta maioria absoluta de Passos Coelho e Paulo Portas, e sabem que a estabilidade política, em todas essas circunstâncias, significou a desestabilização das suas vidas, a desestabilização e inquietação das suas condições de vida”.
O líder comunista vincou também que “aquilo que está em cima da mesa não devem ser as preocupações relativamente à formação de maiorias absolutas, devem ser as preocupações relativamente ao caminho que os portugueses querem, não só para o seu país, mas para as suas vidas e a opção que têm de dar força a quem defende os seus direitos, e dar força a quem defende o seu futuro e as suas condições de vida”.
João Oliveira sublinhou que nas próximas eleições legislativas, “os portugueses terão opção de escolher entre aquilo que querem penalizar e aquilo a que querem dar força” e não devem estar “preocupados com a formação de maiorias na Assembleia da República, ou com eventuais maiorias absolutas que sirvam apenas para perpetuar a mesma política que PS, PSD e CDS têm vindo a fazer”.
O líder parlamentar do PCP afirmou ainda que “os portugueses têm a possibilidade de penalizar quem tem afundado o país e atacado os seus direitos e as suas condições de vida, ou dar força àquela que é a alternativa que o PCP e a CDU protagonizam de recuperação de direitos, de recuperação das condições de vida, de rutura com este caminho de afundamento do país”.
Já Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda considera que Cavaco Silva não tem um mandato para impor ao país uma maioria. “Quem tem a voz numas eleições é o povo que elege deputados, que depois vão eleger um Governo, e esta é a sequência normal que tem de ser respeitada pelo Presidente da República”, sublinhou Pedro Filipe Soares aos jornalistas, acrescentando que Cavaco Silva “não tem nenhum mandato para agora estar com a mania da maioria que quer impor ao país”.
“As maiorias foram o maior fator de instabilidade do país, foram a maior garantia de que a voz das pessoas não era ouvida e por isso eu creio que este medo, quer do Presidente da República, quer de PS, PSD e CDS de não alcançarem uma maioria absoluta é só o medo de eles virem esboroar esta bipolarização nesta alternativa sem ser verdadeiramente uma alternativa real, e esta ideia de que querem virar o disco para tocar a mesma música”.
O líder parlamentar vincou que “o medo que o povo perceba que não vai mais em cantigas deste género é o medo que leva o Presidente da República tantas vezes fazer esta ameaça, esta chantagem sobre a democracia”.
“Quem diz que temos que ter uma maioria custe o que custar, antes de haver eleições, quem diz a esta distância e já ameaçou que só dará a posse a um Governo que seja de maioria, de facto está a tentar tutelar e condicionar as escolhas das pessoas”, considerou o bloquista.
Para Pedro Filipe Soares, Cavaco Silva “não tem nenhuma tutela sobre a democracia nem deve defender uma democracia tutelada” e que “já deveria ter começado por perceber que Portugal já é uma democracia madura, os portugueses já sabem bem as consequências das suas escolhas e já sabem escolher com liberdade”.
“Não temos uma democracia diminuída nem temos portugueses e portuguesas com atestado de incompetência democrática”, ressalvou o deputado bloquista, vincando que “se alguém tem atestado de incompetência são muitos dos governantes que nos trouxeram a esta situação, não o povo, não a sua capacidade de decisão”.