“Se estamos a casar com o intuito de ficarmos juntos para sempre, ter filhos, construir família… queríamos que tudo o que construíssemos no futuro fosse dos dois”. Ana Magalhães Neves, consultora de comunicação, casou-se há cerca de um ano em comunhão de adquiridos e garante que, se tivesse bens significativos e não fosse preciso pagar para alterar o regime base, teria optado pela comunhão geral de bens. O que sustenta a sua opinião é um conceito de vida: “Separação total de bens não estaria, no fundo, em linha de união com as nossas vidas”.
Se quiser casar, o regime normal de bens é o da comunhão de adquiridos. Se quiser comunhão total (que já foi o regime normal no passado) ou se quiser separação total de bens, tem que fazer uma convenção antenupcial e pagar cerca de 200 euros. No seu programa eleitoral, PSD e CDS prometem repensar o atual regime de forma a tornar comum a separação total de bens. É a única força partidária que se compromete a tocar neste assunto. E será que é preciso?
“Sempre achei que tinha mais lógica o facto de os casais optarem pela separação de bens”, atira Sofia*. Aos 36 anos, esta advogada e mãe de dois não hesita em explicar porque pensa assim e garante que a decisão, imutável uma vez consumado o casamento civil, faz dela uma mulher duplamente precavida.
Por um lado, e por defeito profissional, já assistiu a situações penosas mediante um processo de divórcio — garante que, no final, o pior das pessoas vem sempre ao de cima e a separação de bens permite atenuar discórdias e acelerar procedimentos –, por outro, e no caso de um dos membros acumular dívidas, esta é a forma de garantir a existência de um património.
Sofia esclarece que na altura em que se casou, em 2009, era pouco comum as pessoas pedirem pelo regime em questão, tendo também em conta o facto de a mudança exigir um desembolso extra. Mas a raridade da situação nunca a incomodou. Os amigos nunca lhe pediram justificações e apenas a curiosidade natural de alguns familiares a fez responder a questões. Mas, garante, nunca se sentiu julgada.
A proposta de separação total de bens pode ser surpreendente vinda de um partido conservador, como o CDS? Pedro Pestana Bastos, dirigente centrista e membro da ala mais conservadora do partido, o Movimento Alternativa e Responsabilidade, aplaude. “De saudar a proposta da coligação. Contrariamente ao que se pode pensar, a alteração do regime de bens supletivo para separação de bens protege a família“, defende, explicando que “quem anda pelos tribunais sabe os conflitos que se evitaria caso o regime de bens supletivo fosse o da separação de bens. São milhares os casos de pessoas que se arrependem de não ter casado no regime da separação de bens”.
O advogado Francisco Teixeira da Mota não partilha do mesmo entusiasmo. “À primeira vista, parece-me contraproducente para a vida familiar. Isso é estar a organizar a vida conjugal em função do fim da relação. Não me parece uma boa ideia. Para a maior parte das pessoas, julgo que é mais saudável e produtivo não existirem estas questões em relação a cada uma das aquisições de bens”, explica ao Observador. Se um casal com separação total de bens quiser comprar uma casa em nome dos dois, estes têm que declará-lo na escritura. Qualquer bem que é comprado, como um carro, por exemplo, pertencerá a quem ficar com o recibo. Mesmo assim, ainda se podem levantar dúvidas jurídicas sobre a origem do dinheiro que pagou algum bem.
O regime de comunhão geral foi criado com o Código Civil de 1867 e vigorou até 1967. Com a revisão do Código Civil naquele ano, o regime passou a ser o de comunhão de bens adquiridos. Aqui entram os bens adquiridos onerosamente por qualquer um dos cônjuges. De fora da comunhão de bens adquiridos, ficam as doações e heranças. “A diminuição progressiva da estabilidade do casamento constituiria um argumento contra a comunhão geral”, justifica o advogado Diogo Leite Campos, no artigo que escreveu para a revista da Ordem dos Advogados “O Estatuto Sucessório do Cônjuge Sobrevivo”.
No direito familiar, houve ainda uma alteração importante com o Código Civil de 1977, que conferiu ao cônjuge sobrevivo o direito a estar na primeira linha da herança, à frente dos descendentes (filhos) e dos ascendentes (pais).
* Nome fictício