Há muito que me debato com o meu título atual a nível profissional. Sim, sou mãe. Sim, não trabalho fora de casa. Sim, trabalho muito em casa. Não, não tenho profissão. Sim, tenho 1001 profissões, desde gestora, motorista, escritora, psicóloga, planeadora de eventos, explicadora, enfermeira, passando por cozinheira, empregada, costureira, secretária. E ainda me deve estar a faltar alguma.
Vivi uma década nos Estados Unidos, onde fiz de tudo um pouco (nanny, investigadora, bibliotecária, secretária executiva, tradutora, professora na Carnegie Mellon University de Português para Estrangeiros) e finalmente mãe a tempo inteiro quando tive a minha terceira filha.
Cheguei a Pittsburgh com o meu marido exatamente um mês antes do 11 de setembro. Fomos muito bem tratados, com direito ao número de segurança social (equivalente ao cartão de cidadão português), carta de condução, abertura de conta num banco, cartão de crédito, visto de trabalho como acompanhante do meu marido que ia fazer mestrado. Todas as benesses que depois se complicaram com o ataque terrorista. Tal como nos filmes, cheguei a ter três empregos ao mesmo tempo: nanny, investigadora e bibliotecária.
Nos anos ímpares nasceram as minhas três filhas. E só com o nascimento da última, em 2009, decidi ser mãe a tempo inteiro. Comecei um blogue em 2005 onde ia (e vou) contando as aventuras familiares. Não sei se por ser estrangeira, se por ser culturalmente muito mais banal, nunca me senti discriminada por ser uma mãe a tempo inteiro.
Nos EUA há mais estruturas de apoio aos pais que escolhem ficar a tomar conta dos filhos, desde espaços comunitários com salas com brinquedos onde os pais se reúnem, até bibliotecas de empréstimo de brinquedos geridas em regime de voluntariado por outros pais, atividades de leitura para crianças, clubes de tricot para mães e filhos. Existe toda uma rede que permite que nos sintamos mais acompanhadas.
Quando tive a minha quarta filha, já em Portugal, senti falta dessa estrutura. Acho que por sermos um país muito mais pequeno, há mais o recorrer à família próxima. Lá não tínhamos ninguém a não ser nós próprios, o que “descomplicou” a maternidade em grande parte. As minhas filhas iam para todo o lado connosco, daí que não tenha sido difícil atravessarmos os EUA por duas vezes. Recomendo vivamente.
Hoje, com 41 anos, dedico-me em exclusivo à minha família e à casa. Participo ativamente na vida escolar das minhas quatro filhas, de 11, 10, seis e dois anos, indo à escola regularmente para ler livros, fazer trabalhos manuais, organizar clubes secretos de leitura, voluntariado na biblioteca escolar e ainda fazendo parte das Associações de Pais das três escolas em que me movo.
Como a minha licenciatura é em Línguas e Literaturas Modernas, Português e Inglês, procuro fomentar esse gosto nas crianças com quem vou contactando e a resposta é fenomenal nestas idades. Tenho ainda tempo, quando as miúdas estão na escola, para ir ao cinema, almoçar com as minhas amigas, ler (infelizmente, cada vez menos) e gerir os pais da turma que represento, atividades que funcionam como um escape às tarefas domésticas que são bastantes numa família de seis.
Há toda a roupa, arrumação e limpeza da casa, compras e cozinhados que estão a meu cargo. Rejo-me pelo lema KISS (“Keep it simple, stupid!”, omitindo a última palavra, da qual não gosto). Tento simplificar ao máximo. O meu marido viaja bastante, pois a sua empresa tem escritórios em Lisboa e em São Francisco, portanto eu tenho de assegurar toda a logística quando ele está fora e também quando está por cá, pois trabalha mesmo muito.
Como vivem outras domésticas no século XXI — 10 testemunhos
As domésticas dos anos 2000 têm em comum a conta de Facebook, de e-mail, o smartphone, o blogue familiar, o curso superior, os filhos e a casa para tratarem. São mulheres que quando confrontadas com formulários onde pedem a profissão se questionam sobre o que escrever. Não se consideram “domésticas”, mas também não são “donas de casa”. No entanto, são mulheres que tratam da casa e dos filhos. São aquilo a que nos países anglófonos se chama stay-at-home moms. E por cá, que título deveriam ter? Desde MATI (Mãe A Tempo Inteiro) a Escrava Isaura, passando por Super-Mulher e back-office, uma coisa é certa: todas se consideram Mães com letra maiúscula.
Vera Dias Pinheiro, 32 anos
Licenciada em Comunicação Social, Vera Dias Pinheiro foi relações públicas num ateliê ligado às artes, consultora comercial num centro de escritórios e, por último, bancária. Tem um filho de dois anos e está grávida do segundo. Considera-se, agora, “mãe, com tudo o que isso implica e que não é nada pouco.”
No blogue As Viagens dos Vs pode seguir-se o percurso de Vera, que decidiu ficar em casa desde o nascimento do seu filho, em janeiro de 2013. O marido estava colocado em Bruxelas e até então a sua relação tinha sido vivida à distância. No entanto, a partir do momento em que havia um filho, deixou de fazer sentido viverem distantes um do outro. Gozou primeiro a licença de maternidade e depois pediu uma licença sem vencimento. Esta foi uma decisão tomada em conjunto com o marido e mantê-la-ão até que a relação custo-benefício seja favorável.
“O que começou por ser uma necessidade acabou por se tornar uma oportunidade única de me descobrir a mim própria e de me concentrar naquilo que são os meus interesses, vocações e objetivos de realização pessoal enquanto mãe. E, para além disso, os primeiros dois anos de vida de um bebé são períodos marcantes e inesquecíveis, apesar de difíceis e exigentes. Esta opção permitiu-me vivê-los em toda a sua plenitude de exigência, dificuldade, mas também de descoberta, aprendizagem e felicidade.”
Satisfeita com a sua escolha, Vera salienta que o contexto da sua opção foi um pouco diferente, pois fê-lo na sociedade belga, mais precisamente em Bruxelas, onde este tipo de escolhas são naturais, bem acolhidas, estando a própria sociedade mais organizada para receber famílias nas suas circunstâncias, com atividades infantis, centros que recebem as crianças caso a mãe precise de fazer alguma coisa e não possa levar o seu filho consigo, horários de trabalho adequados à conciliação entre a vida profissional e familiar.
Sentiu-se mais integrada e segura pelo facto de existirem bastantes mães e até pais na mesma situação, o que tornava possível a existência de uma comunidade que partilhava as dificuldades e alegrias que a opção de ser mãe (e pai) a tempo inteiro acarreta. O regresso a Portugal confrontou-a com uma realidade diferente e menos recetiva e compreensiva relativamente a este tipo de escolha, existindo muito a ideia de que a mãe a tempo inteiro “está em casa” e, por isso, é praticamente impensável que ela diga que está cansada.
Vera tem agora mais tempo para si, uma vez que o filho já está no infantário. Antes disso, a sua vida era totalmente comandada pelos seus horários e por lhe proporcionar estímulos e atividades benéficas ao seu desenvolvimento.
Cidália Espiguinha, 34 anos
Licenciada em Línguas e Literatura Modernas pela Universidade do Algarve e mestre em Criminalidade e Intervenção Social com Menores pela Universidade de Málaga, apelida-se de “ufff, mãe a tempo inteiro” de Aitana, de três anos.
Quando acabou a licenciatura, rumou a Cáceres, em Espanha, para se juntar ao Luís com quem namorava há três anos à distância. Trabalhou na Stradivarius durante uns meses, mas acabou por mudar-se para Gibraltar por questões profissionais do marido. Decidiu fazer um mestrado numa área diferente: Criminalidade e Intervenção Social com Menores. Mudou-se para Melilla e trabalhou num centro de detenção de menores e em medidas judiciais com menores. Estavam separados. Cidália conta:
“Eu vivia em Melilla e ele em Gibraltar. Queríamos ser pais e colocando tudo numa balança, eu deixei Melilla e engravidei. A minha filha nasceu em Portugal. O meu marido trabalha numa construtora e está em constantes mudanças. Decidi que queria ter uma família e, para isso, tinha de abdicar da minha vida profissional. Vivo na Arábia Saudita há um mês e antes de vir tive um convite para trabalhar como educadora social. Não pensei duas vezes e aqui estou.”
Está em casa há três anos e não sabe até quando. Quer voltar a ser mãe para desfrutar da família. Sente-se privilegiada por poder estar em casa por opção, sem ter de dar justificações no trabalho. Considera extremamente importante que o marido não a faça sentir dependente em nenhum sentido. Comenta que sempre que vai a algum sítio onde lhe perguntam a profissão, responde que é dona de casa, ao que retrucam: “ah! desempregada”. Acha que isso diz tudo: “Há quem pense que somos todas umas dondocas”, realidade não corroborada pelo seu dia-a-dia preenchido por inúmeras atividades ligadas à vida escolar da filha e também do foro doméstico.
Como vive na Arábia Saudita, não pode conduzir, logo depende do autocarro do complexo onde vive ou de um motorista para tudo. Até uma simples ida ao supermercado se torna complicada. De manhã leva Aitana ao colégio e depois dedica-se às coisas da casa: tratar da roupa, fazer comida e limpar a casa todos os dias por causa do pó do deserto. Tem sempre uma hora para ir ao ginásio. Quando a filha chega da escola, dá-lhe o almoço e sobra a tarde toda para brincar e ir à piscina — só a partir das 18 horas, por causa do calor.
Filipa, 41 anos
Licenciada em Direito, com estágio em Advocacia na Ordem dos Advogados, Filipa considera-se “a faz tudo”. Tem duas filhas: a Mariana, com quase cinco anos, e a Madalena, com 10 meses. Exerceu advocacia até engravidar e ter de ficar em repouso em casa. Quando a primeira filha nasceu, decidiu, em conjunto com o marido, que continuaria em casa por ser melhor para a filha. Confessa que, na altura, só de pensar em deixá-la numa creche ficava mais ou menos em pânico. Pensaram em várias condicionantes, nomeadamente a monetária, e concluíram que compensaria, visto que os berçários e creches cobram valores elevados, mas sobretudo valeria a pena em termos afetivos.
Filipa está em casa há cinco anos e, tal como Cidália, também não sabe até quando. Pretende ficar com a bebé de 10 meses até ela ir para o jardim de infância, aos três anos. Depois ainda é uma incógnita. Acha que valeu (e vale) a pena ter optado por ser mãe a tempo inteiro.
Estarmos disponíveis para os nossos filhos nos dias que correm é uma bênção. Se voltaria a fazê-lo? Sem dúvida que sim, sinto-me realizada no meu papel de mãe, de mulher e de dona de casa. Mas também existem uns dias menos bons, em que me sinto muito cansada e com vontade de dormir um dia inteiro.”
O dia-a-dia de Filipa é assim: acordar às sete horas, tomar o pequeno-almoço, fazer a higiene matinal, vestir, sair para levar a Mariana à escola a pé, regressar a casa e arrumá-la, dar o almoço à Madalena, pô-la a dormir, almoçar, adiantar o jantar, tratar da roupa, buscar a Mariana, fazer compras e regressar a casa, brincar, arrumar o quarto, dar banho, jantar, lavar dentes, contar ou ler histórias, organizar roupa para o dia seguinte e finalmente meninas na cama (durante o dia ainda amamenta a bebé), arrumar a cozinha e ir para a cama cedo.
Apesar desta rotina preenchida, acha que muitas vezes a tomam por alguém que não quer trabalhar (“como se o trabalho em casa não fosse trabalho!”) ou que não trabalha, porque não precisa.
Dos comentários que já ouviu ao facto de ser mãe a tempo inteiro, destacam-se estes: “não sei como consegues”, “que horror estar em casa com elas todo o dia, eu não aguentava, tenho que sair, ir trabalhar ou fico doida” e, a culminar: “andou a estudar para agora estar em casa”. Por vezes, estes comentários ainda a incomodam, mas já aprendeu a não dar importância e a responder à pergunta “o que faz?” ou “qual é a sua profissão?” com: “estou com as minhas filhas e tenho toda uma casa para orientar”.
Filipa diz ainda que “nesta opção de vida é natural que tenhamos de abdicar de alguma coisas, coisas materiais, mas que não são assim tão essenciais e bem podemos passar sem elas”. E acrescenta: “Tenho ganho uma outra perspetiva de vida e das dificuldades que surgem e todos os dias ganho amor e sorrisos.”
Claudine Wolf Stock, 40 anos
Licenciada em Psicologia, 10 anos em consultoria e três anos em missão diplomática, mãe de três filhas, Claudine Wolf Stock descreve-se como “family and business manager”, “back-office” da família (porque está sempre na retaguarda a gerir tudo) e ainda “um sistema SAP (Systems, Applications & Products) familiar, isto é, um programa informático de gestão/integração que tem de gerir tudo, desde a contabilidade ao orçamento, passando pelas roupas, limpezas, compras, trabalho.
Claudine decidiu ficar em casa quando terminou a licença de maternidade da sua primeira filha, Mathilde. Era óbvio que ela precisava da mãe por ser muito nova. Como trabalhava em part-time na altura, se regressasse ao trabalho teria de encontrar uma solução numa creche ou contratar uma empregada para ficar em casa e, nesse caso, todo o seu ordenado seria para cobrir essa despesa. Como o marido precisava de ajuda no negócio familiar de restauro, ficar em casa permitir-lhe-ia cuidar da família e trabalhar com o Vasco. Está em casa há oito anos e pensa ficar até a filha mais nova ir para o jardim de infância.
“Para a nossa família, foi a fórmula que fez todo o sentido. Por um lado, com três filhas e toda a logística inerente, estar em casa permite-me estar 100% disponível para eles e para suprir todas as suas necessidades. Por outro, posso acompanhar o meu marido no negócio familiar e entre mamadas, sestas, mudas de fraldas e preparações de refeições, posso gerir toda a dinâmica familiar e profissional.”
Diz que não se sente discriminada, mas acha que a sociedade a rotula como “ah, estás em casa, não fazes nada!” e que nota uma grande indignação por parte das pessoas que se apercebem que é licenciada, com bastante experiência profissional em multinacionais, e que agora tenha trocado todo esse mundo para passar a ter uma função de “gestão familiar”.
Na sua rotina diária incluem-se a preparação de pequenos-almoços, almoços e lanches para a escola, tratar da Leonor de um ano que está em casa, ir buscar as outras duas filhas, Mathilde, de oito anos, e Constança, de quatro, à escola, levá-las às atividades extra-curriculares, fazer os recados todos, ir à horta, tratar da roupa, limpar e cozinhar.
Carolina Ornelas, 32 anos
Licenciada em Gestão Bancária, foi bancária e agora considera-se Mãe com letra maiúscula. Tem dois filhos: o Xavier, de quatro anos, e o Vasco, de 11 meses. No final da primeira gravidez, em setembro de 2011, decidiu ficar em casa e ser mãe a tempo inteiro, pois o marido está muito tempo fora por trabalhar numa companhia de aviação civil. Considera que foi a escolha mais acertada, porque agora é “dona dos seus horários e das suas rotinas”.
Carolina descreve o seu dia-a-dia assim: “Acordo às 7h00, às 7h30 tomo banho, tomo o pequeno-almoço, vejo as notícias, vou ao Facebook e depois, então, vou acordar o mais velho, trato do pequeno-almoço dele, de o vestir, lavar cara e dentes, sentar para ver desenhos animados. Depois vou acordar o mais pequeno com 10 meses, dar-lhe o biberon, despir o babygrow, mudar a fralda, lavar a cara (os banhos ficam para ser dados ao final do dia aos dois). Água de colónia nos três — sim, nos três — e estamos prontos para sair.” O filho de três anos vai para a escola, o bebé volta para casa com a mãe.
“Não temos empregadas, optámos por não ter. Eu achei que podia dar conta do recado — às vezes não consigo, mas nessas alturas não se convidam os amigos para jantar cá em casa e vamos todos jantar fora.”
Às 15h30 vai buscar o filho à escola. “Existe prolongamento, mas comigo em casa por opção e com praia e campo aqui à mão… Nos dias em que o pai está, vamos andar de skate, lanchar fora e ate à praia. Dois dias por semana existem atividades extracurriculares. Nos dias em que o pai não está, também há passeios, mas nem sempre. E às vezes voltamos para casa mais cedo. Há direito a desenhos animados, enquanto preparo o jantar, depois é a hora dos banhos, jantar e cama. Normalmente jantamos todos juntos.”
Apesar da trabalheira em que vive, Carolina recomenda vivamente esta escolha.
Raquel Sousa, 38 anos
Licenciada em Psicologia Clínica, foi formadora. É mãe de uma menina com um ano. Ficou desempregada quando a filha tinha seis meses, em 2014. Está em casa há um ano e quatro meses até surgir nova oportunidade de emprego. O facto de o marido ser professor sem colocação definitiva pesou também na decisão de ficar em casa com a filha, pois de ano para ano há a incerteza da colocação. No ano anterior ficou colocado a 200 quilómetros de casa.
Raquel considera-se “mãe a 100%”. Apesar de ter sido uma escolha imposta, sente-se bem, porque está a ter a oportunidade de acompanhar a filha durante os seus primeiros anos de vida, tão importantes. Sente que as pessoas, embora não o demonstrando diretamente, a consideram de certa forma inútil, não contribuindo com nada de positivo para a sociedade. Quanto a recomendar a sua escolha, diz:
“Se eu tivesse uma situação financeira que me permitisse ter uma vida desafogada sem que para isso necessitasse de trabalhar para ganhar dinheiro para pagar as contas, claro que sim [recomendava a minha escolha]. Caso contrário, não. Gostaria apenas que as pessoas percebessem que o estar em casa não é sinónimo de “não fazer nenhum”. Quando eu trabalhava, e por vezes chegava a trabalhar 12 horas seguidas, não chegava à noite tão cansada como me sinto por vezes agora, que estou em casa. Estar com uma criança pequenina durante 24 horas por dia, todos os dias, em que muitas vezes me anulo enquanto mulher, é extremamente desgastante a nível psicológico.”
Tatiana Santinha, 30 anos
Licenciada em Engenheira Civil pela Universidade Nova, agora é mãe de Bárbara, de nove meses. Logo após concluir o curso foi trabalhar para Faro, sua terra natal, numa empresa. O marido também é engenheiro civil. Viveram sempre longe um do outro, só se viam ao fim de semana. Quando tomaram a decisão de constituir família, Tatiana achou por bem deixar o trabalho fixo e juntar-se ao marido.
Quando engravidou tornou-se claro que ficaria em casa apenas dedicada à filha. “Seria o melhor para ela e para nós enquanto família. Neste momento a nossa bebé tem nove meses e é a nossa alegria. Não posso prever o que o futuro nos reserva, pois o percurso profissional do meu marido é bastante incerto, mas ficarei em casa no mínimo até ela ir para a creche, talvez com uns três ou quatro anos. Ou talvez mais…”
Tatiana sente-se muito feliz com a sua escolha, porque o marido pode dedicar-se completamente à carreira e ela à filha. Diz: “Sou muito feliz, sei que ninguém cuidaria melhor dela do que eu. O meu ‘trabalho’ nunca foi tão reconhecido como agora. Ela mostra-me isso todos os dias.”
Apesar de se sentir muito bem com a sua escolha, acha que a sociedade ainda não vê com muito bons olhos uma mulher que deixa de trabalhar para cuidar dos filhos. Sente-se uma privilegiada por poder estar em casa com a filha, entendendo que há muitas mulheres que gostariam de o fazer e não têm possibilidades.
Quanto ao seu dia-a-dia, “é bastante cansativo, mas muito recompensador. Numa casa com crianças há sempre muito que fazer, as tarefas domésticas nunca acabam. A Bárbara é uma bebé super bem-disposta e acordamos logo a rir, brincamos muito, ouvimos música, lemos histórias e enquanto ela se distrai um pouco sozinha faço o almoço, lavo roupa, limpo a casa. Todos os dias saímos de casa para dar uma volta no parque, ir à biblioteca, encontrar uns amiguinhos, ver os avós ou ir às compras. Enquanto ela dorme a sesta, por vezes consigo tirar algum tempo para me dedicar a algo que goste, ler um livro ou ver uma série. Ela adora quando o pai chega a casa e estamos todos na cozinha na brincadeira e a preparar o jantar. Jantamos todos juntos e é uma festa. Cá em casa não temos televisão e por isso aproveitamos a sério a companhia uns dos outros.”
“Não trocava esta vida por nada. Está a ser a melhor experiência da minha vida. Ela faz-me crescer, faz-me descobrir coisas que não sabia ou que já tinha esquecido. Estou a conhecer-me melhor a cada dia. Não sei se algum dia voltarei a ter a mesma vida que tinha. O tempo não volta para trás e eles não vão ser pequeninos para sempre, por isso eu recomendaria a todas as mamãs ficarem pelo menos os primeiros dois anos em casa com os filhos. Eu não trocaria esta experiência por nenhuma outra. Recomendo, mas sei que esta opção não é para todos.”
Sara Regueira, 35 anos
Licenciada em Gestão de Recursos Humanos, Sara é tratada pelas amigas como a Super-Mulher. É mãe da Maria, de quatro anos, e do João, de dois. Tem um blogue. Esteve sempre ligada à área dos Recursos Humanos e foi formadora em Atendimento ao Cliente. Complementou a sua formação com uma pós-graduação em Higiene e Segurança no Trabalho e iniciou o mestrado em Análise Organizacional.
A opção de ficar em casa surgiu quando ficou grávida da primeira filha, aos 29 anos. Na altura já trabalhava numa pequena empresa que lhe deu a possibilidade de continuar a fazer alguns trabalhos a partir de casa, o que foi possível durante um certo tempo, mas depois decidiu dedicar-se à filha a 100%, até porque quando esta tinha 14 meses ficou grávida do segundo filho.
Fez esta opção porque o marido trabalha fora de Lisboa desde o nascimento da filha, vindo a casa apenas ao fim de semana e, pontualmente, um dia por semana. Em fevereiro de 2016 fará cinco anos que está em casa com os filhos. Sente-se muito bem com a sua escolha, no entanto, não esconde que nem sempre é fácil: “Mas que escolha é apenas positiva? Acredito que foi uma boa escolha, porque vejo que tenho filhos muito felizes.”
Sara considera pertencer ao tipo de pessoas que pouco se abate com comentários de pessoas exteriores ou que não foram solicitadas para tal, mas não deixa de sentir muitas vezes que esta opção de ser mãe a tempo inteiro é vista com um certo desprezo por acharem sempre que as donas de casa estão na posição de quem não faz nada.
“Eu diria que nunca paramos, tirando no momento da sesta onde a casa encontra o silêncio tão desejado. Muitas vezes esses julgamentos vêm de pessoas que não se sentem felizes por terem de trabalhar fora de casa ou por sentirem pena de não ter a possibilidade de estar tanto tempo com os seus filhos, ou simplesmente porque ‘a galinha da vizinha é sempre melhor que a minha’ e a vida dos outros parece sempre mais fácil que a nossa. Se me sinto discriminada? Não iria tão longe mas sinto-me bastante ‘observada’.”
Depois de descrever o seu dia-a-dia, remata: “Há sempre uma máquina de roupa ou uma loiça que nos chama, mas com esta opção temos a sorte de poder fazer tudo com alguma tranquilidade e sem o stress de que tanto se fala. É raro, muito raro, andar a correr ou stressada com horas e isso vale ouro.”
Patrícia Barbosa, 40 anos
Tem o curso de Geografia, variante de Urbanismo, incompleto. É mãe a tempo inteiro do Rui, de sete anos, e da Rita, de seis meses. Foi responsável por uma perfumaria durante 13 anos, mas entretanto o filho Rui nasceu e a ideia de fazer turnos até à meia-noite, trabalhar aos fins de semana e feriados não era compatível com o tempo de qualidade que queria para o seu filho. Logo, decidiu sair na altura do Natal. Abriu um negócio por conta própria: uma mercearia gourmet com um lounge café. Em 2012, quando o Rui foi operado a um pulmão, decidiu, juntamente com o marido, que se dedicaria em exclusividade ao filho.
O marido chega tarde a casa (22h00) e é o sustento da família. Mantiveram o filho num colégio católico, com uma vertente muito familiar, permitindo que os seus horários fossem bastante flexíveis. Se tivesse de voltar a escolher, Patrícia decidiria exatamente o mesmo, sem ter de pensar muito. Diz que “foi uma decisão muito ponderada, que nos levou a sofrer muitos cortes a nível monetário, mas os prós são enormes. Este ano tive uma menina, que curiosamente nasceu em casa a meio da noite, então tem sido cada vez mais a escolha acertada.”
Crê que as pessoas hoje em dia se focam em coisas erradas: “Julgam os outros pelas malas e sapatos que usam e não pelo carácter. Existem pessoas que me consideram dondoca e existem outras que ficam surpreendidas pela nossa escolha e me dizem sempre que não tinham feitio para não fazer nada. Enfim, o meu dia é uma correria. Dedico-me ao meu marido e aos meus filhos e somos muito felizes.”
Teresa, 40 anos
Licenciada em Psicologia das Organizações, fez consultoria em recursos humanos, informação médica e administração de clínicas dentárias. É mãe de três filhos: I. de quatro anos, G. de dois anos e F. de sete meses. Oscila entre chamar-se “Escrava Isaura” ou “Super-Mulher”. Está em casa desde 2012. Conta ficar até ao ano que vem. Decidiu ficar em casa porque os horários de trabalho dela e do marido eram muito complicados, traduzindo-se em quase não verem o filho mais velho que ficava em casa dos avós. Chegaram à conclusão, enquanto casal, que um deles tinha de “abrandar” se queriam constituir família. Teresa assume que “obviamente tive de ser eu que era quem ganhava muito menos ao fim do mês.”
Considera ter sido uma escolha difícil, pois a partir de certa altura sentiu necessidade de fazer alguma coisa por ela em termos profissionais. No entanto, sabe que é o melhor que pode proporcionar aos seus filhos, estando sempre presente para o que precisam, vendo-os crescer, acompanhando muito mais de perto as etapas das vidas deles. E revê-se nas críticas das outras domésticas: “Infelizmente, a maior parte das pessoas acha que porque estou em casa não faço nada. Tenho três filhos pequenos, as 24 horas do dia não me chegam e estou sempre a trabalhar.”
Porque é que as mulheres ainda não conseguem ter tudo?
Anne-Marie Slaughter, no ensaio intitulado “Why women can’t still have it all? (porque é que as mulheres ainda não conseguem ter tudo?)” publicado na revista The Atlantic, em junho de 2012, resume o que foi vendo ao longo dos anos em termos de diferenças entre homem-mulher na aceitação da sua carreira e no acompanhamento dos filhos.
Encontro-me em território perigoso, minado de estereótipos. Após anos de conversas e observações, contudo, tenho vindo a acreditar que os homens e as mulheres respondem de forma bastante diferente quando há problemas em casa que os forçam a reconhecer que a sua ausência está a prejudicar a criança ou que, pelo menos, a sua presença ajudá-la-ia. Não acredito que os pais amem menos os seus filhos do que as mães, mas os homens parecem escolher mais o seu emprego em detrimento da família, enquanto que as mulheres parecem escolher mais a família em detrimento do seu emprego. Claro que muitos fatores determinam esta escolha. Os homens ainda estão socialmente formatados para acreditarem que a sua primeira obrigação familiar é ser o ganha-pão/ chefe de família, enquanto que as mulheres acham que a sua primeira obrigação familiar é ser a prestadora de cuidados/ cuidadora. Mas pode ser mais do que isso. Quando eu falei da minha escolha entre os filhos e o emprego à senadora Jeanne Shaheen, ela disse exatamente o que eu sentia: ‘Não há, de facto, uma escolha.’ Ela não se estava a referir às expectativas sociais, mas sim a um imperativo maternal sentido tão profundamente que a ‘escolha’ é um reflexo.”
Ao olhar para todos estes testemunhos, o que fica é um sentimento de escolha, escolha essa entre uma carreira e uma vida dedicada aos filhos e à casa. Perpassa também um sentimento de incompletude do qual Anne-Marie fala no seu livro Unfinished Business: “Isso descreve a maioria das vidas dos cuidadores, certamente as mães que trabalham. Se falar com uma mulher entre os 30 e os 50 que esteja a tomar conta de crianças e tenha um emprego, ela dirá: ‘Toda a minha vida são coisas inacabadas. Nunca termino nada. Nunca sinto que vou fazer uma coisa até ao fim.'”
Eu própria me revejo nessa incompletude, porque ter filhos e educá-los será sempre uma tarefa inacabada e da qual nunca saberemos qual o resultado do nosso esforço. Lembro-me de um dia ter lido na revista americana Real Simple esta frase: “Nas limpezas, pelo menos, temos a certeza do produto final. Na educação de um filho, não.” Ainda assim, continuo a sentir-me bem com a minha escolha, com a liberdade de não ter um horário de trabalho, a não ser aquele que me é imposto pelas quatro escolas em que andam as minhas filhas (e que já é bastante para reger o meu tempo).
Certa vez, uma amiga disse-me que já tinha experimentado de tudo em termos de trabalho: trabalhar a tempo inteiro, trabalhar em part-time e ser mãe a tempo inteiro. E para ela, sem sombra de dúvida, a opção mais exigente tinha sido a última. Concordo em absoluto. No entanto, digo também que essa opção é, de longe, a mais compensadora em termos afetivos e emocionais, permitindo-me valorizar tudo aquilo que a vida tem de mais duradouro e memorável.
Vou ali estar com as minhas filhas, deixo a casa para depois…