A devolução dos direitos dos trabalhadores da CP era um dos objetivos do PS, mas, nem por isso, a medida foi pacífica entre os deputados socialistas. Na hora de votar o projeto de resolução desenhado pelo próprio partido, Helena Roseta e Paulo Trigo Pereira abstiveram-se e questionaram a solidez dos argumentos utilizados. Entretanto, dias depois de o tema ter sido levado ao Parlamento, o conselho de Administração da CP decidiu avançar com a reposição de privilégios que tinham sido retirados em 2013.

Na reunião plenária de 18 de dezembro, PS, Bloco e PCP recomendaram ao Governo de António Costa que devolvesse os direitos retirados aos trabalhadores da CP e familiares. Na altura, os três projetos de resolução foram aprovados com votos favoráveis da maioria parlamentar, votos contra de PSD e CDS e duas abstenções, de Helena Roseta, ex-presidente da Assembleia Municipal de Lisboa e antiga parceira de coligação de António Costa na Câmara de Lisboa, e Paulo Trigo Pereira, um dos economistas que participaram no estudo macroeconómico que serviu de base ao programa eleitoral socialista.

Os dois socialistas começam por resumir os argumentos utilizados naquela discussão: 1) “o caráter muito antigo desta concessão só recentemente revogada”; e 2) “o facto de constituir um importante suplemento remuneratório de trabalhadores e suas famílias”. Ora, para os dois deputados do PS “nenhum dos argumentos” utilizados na discussão dos projetos de resolução parece “muito sólido”, pode ler-se numa declaração de voto à qual o Observador teve acesso.

“O primeiro porque não é a existência de uma tradição que justifica a manutenção de uma determinada prática de gestão de uma empresa pública, em particular deficitária e dentro do perímetro orçamental do Estado“, começaram por justificar a ex-presidente da Assembleia Municipal de Lisboa e o economista que participou no estudo macroeconómico que serviu de base para o programa eleitoral socialista.

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Além disso, argumentaram Helena Roseta e Paulo Trigo Pereira, as remunerações dos trabalhadores da CP devem ser preferencialmente “pecuniárias”, ou seja, devem refletir-se no salário, e não “em espécie”, como o que está em causa com a atribuição de viagens gratuitas. Apesar das críticas apontadas pelos dois deputados socialistas, os projetos de resolução acabaram por ser aprovados por larga maioria.

Mesmo sublinhado que este Governo socialista está apostado em reverter os “cortes salariais” impostos pelo anterior Governo e na “redução da carga fiscal sobre o trabalho”, Helena Roseta e Paulo Trigo Pereira deixaram um aviso: a devolução destes direitos aos trabalhadores da empresa da CP não é o caminho.

O XXI governo constitucional tem uma política de reversão de cortes salariais e de redução da carga fiscal sobre o trabalho, em particular das famílias de mais baixo rendimento. Tal não é, porém, o caso das medidas que se recomenda ao governo que promova”, pode ler-se na declaração de voto assinada por Helena Roseta e Paulo Trigo Pereira.

Com a decisão do conselho de administração da CP, os trabalhadores da CP, assim como cônjuges, filhos até aos 25 anos, e trabalhadores reformados, vão voltar a viajar gratuitamente nos comboios da empresa a partir de 1 de janeiro, sexta-feira.

Os trabalhadores das empresas do grupo — como a CP Carga e da EMEF – também beneficiam da reversão da medida incluída no Orçamento do Estado para 2013 (OE2013), que limitava a utilização gratuita dos transportes públicos rodoviários, fluviais e ferroviários aos agentes da PSP ou da GNR – mas apenas se estiverem em patrulha – e aos trabalhadores das empresas (mas apenas nas deslocações entre casa e o emprego).

Já os cônjuges dos trabalhadores das empresas do grupo CP terão acesso ao benefício condicionado a um limiar de 4.000 quilómetros, a partir do qual viajam com um desconto de 75% até um limite máximo do valor das viagens correspondendo a três Índices de Apoio Social (IAS).

De acordo com a deliberação do conselho de administração, liderado por Manuel Queiró, “o acesso aos comboios do serviço Alfa Pendular nos dias de maior utilização (sexta-feira, domingo à tarde e segunda-feira de manhã) exige uma reserva de lugar com uma antecedência máxima de 12 horas”, como escrevia a agência Lusa.

Fonte oficial da CP disse à Lusa que a reposição do direito ao transporte aos ferroviários, reformados e familiares surge na “sequência de diversas conversações, nos últimos dias, com várias organizações sindicais”, correspondendo “ao cumprimento das promessas que tinham sido feitas de que o direito seria reposto quando o momento social e político permitisse”.

Numa nota, a Federação de Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans), afeta à CGTP, considera que a deliberação da CP repõe no essencial o direito à generalidade dos beneficiários de 2012, realçando que “até melhora alguns aspetos”.

“Conforme temos reivindicado e lutado, acaba com a discriminação dos trabalhadores mais novos nas empresas afiliadas”, acrescentava a nota da Fectrans.