“Welcome to the jungle”, diriam os Guns N’Roses. E nunca esta música fez tanto sentido como nos dias de hoje. Bem-vindos à época em que falar de amor se tornou tabu. Bem-vindos ao milénio em que há homens que fogem de mulheres inteligentes, como escreveu o jornal The Telegraph no artigo que abriu uma brecha para um fenómeno urbano que, não tendo tradução em português sem envolver uma asneira feia, se tornou viral: os “f*ckboys”.

O que são os “f*ckboys”? O Urban Dictionary traduz a expressão como “um homem que se tenta envolver com todas as mulheres. Um jogador. Um homem que mente a uma mulher só para conseguir levá-la para a cama. Um idiota que mente quando diz que gosta de uma mulher.” O termo está em todo o lado, do Huffington Post à Vanity Fair, e a conclusão, mais Tinder menos Tinder, é sempre a mesma: cada vez mais, as pessoas deixaram de acreditar no amor.

Mas a verdade é que, homens ou mulheres, já todos estivemos em relações que não eram relações. Falar de sentimentos e expor tudo a outra pessoa de alma aberta é, para muita gente, o equivalente a estar nas trincheiras à mercê que uma bomba nos expluda na cabeça. E eis que entrámos no tópico deste artigo: estaremos a tornar-nos, millennials nascidos nas décadas de 1980 e 1990, uma geração de pessoas “inamoráveis”, uma expressão que também ainda não tem tradução cunhada em português?

Relações fantasma e relações que não são relações

Esta semana, ao almoço, uma colega contou que a pessoa com quem andava a sair há três meses tinha passado de dormir na sua casa todas as noites para a desculpa “agora estou com algum trabalho”. As mensagens começaram a acumular-se sem resposta. E, gradualmente, ele começou a desaparecer da vida dela até ao desapego ser total. Sem uma explicação, sem uma zanga, sem uma incompatibilidade. E parece que este tipo de comportamentos são, afinal, os romances da nossa geração. Como não ter borboletas no estômago quando a pessoa com quem estamos é tão imprevisível e nunca sabemos se está ou não connosco?

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Este fenómeno das relações “fantasma” não é de hoje. De forma a evitar confrontos, muitas pessoas preferem desaparecer. Um dia gostam mas no outro já cá não estão. Para Susana*, de 30 anos, há pior. E o pior, diz, são “aqueles homens que avisam logo de antemão que não querem uma relação, colocando do nosso lado o peso da decisão — mesmo assim, queremos, ou não, estar com eles? Se quisermos, temos de aprender a lidar com a sua inconstância, se não quisermos, eles vão bater à porta de outra.”

Que medo será este que temos das relações? Não seria a vida mais fácil se a partilhássemos abertamente? Então, porque é que insistimos em fugir das relações, em desaparecer fantasmagoricamente e em sabotar a nossa própria felicidade?

Será tudo uma questão de egos?

Um estudo feito com psicólogos de três universidades dos Estados Unidos da América questionou centenas de homens e chegou à conclusão que as mulheres inteligentes os fazem sentir menos masculinos. Isto leva a uma outra particularidade: apesar de muitos homens gostarem da ideia de estar com uma mulher com uma carreira de sucesso e objetivos de vida, a verdade é que a hipótese de serem ofuscados por uma parceira é-lhes intolerável. Esta fantasia George Clooney-Amal Alamuddin (depois de anos a ser um solteirão, George Clooney casou com a advogada de direitos humanos e mulher de carreira e sucesso Amal Alamuddin) parece ser uma liga onde a maioria dos homens não joga nos dias de hoje.

A história de “neste momento não quero uma relação” é do senso comum e foi o que aconteceu a Inês*, de 30 anos. “Depois de alguns meses a sair com uma pessoa com quem temos sintonia, é impossível não procurar construir uma relação com ela. Mas o que me aconteceu foi que ouvi aquele discurso cliché: só quero estar sem pressões, ver no que é que isto vai dar, não estou pronto para uma relação mas gosto de estar contigo e podemos continuar a aproveitar a companhia um do outro. Sim, ele só queria mesmo sexo.”

Ter-se uma relação costumava ser a melhor coisa do mundo. Criaram-se alguns dos melhores filmes do cinema, cantaram-se algumas das melhores músicas, escreveram-se alguns dos melhores livros… Todos baseados em intensas histórias de amor. O que é que aconteceu para nos tornarmos uma geração de pessoas “inamoráveis” que foge do amor como o diabo da cruz?

Em entrevista ao Observador a propósito das “relações fantasma”, a psicóloga Cláudia Morais explicou que as redes sociais vieram facilitar este tipo de comportamentos, ao transmitir a ideia de que há muitas pessoas disponíveis, o que antes não acontecia. Numa altura em que os relacionamentos são cada vez mais substituíveis, efémeros e descartáveis, porque nos comportamos como se estar com outra pessoa fosse a pior coisa que nos podia acontecer na vida?

A nossa conclusão? Não temos uma conclusão. Falar de relações humanas é como andar em areias movediças. Mas há várias coisas que podemos tentar mudar nos nossos comportamentos e isto aplica-se tanto a homens como a mulheres.

  • Não tente conquistar alguém com quem não pretende construir uma relação. Ou, na gíria popular, não faça uma pessoa apaixonar-se se não pretende corresponder.
  • Não seja uma presença constante na vida de alguém se não quer criar uma conexão emocional com essa pessoa. Isto significa não mandar mensagens a toda a hora, não telefonar diariamente, não combinar coisas dia sim, dia sim, não partilhar histórias infindáveis sobre a infância… Basicamente, não criar uma familiaridade com essa pessoa.
  • Não faça coisas típicas de relações com uma pessoa com quem não quer ter uma relação. E não falamos só de sexo mas de jantares, cinemas, passeios, dormir em casa um do outro, sair com os amigos um do outro…

A lista podia continuar mas já percebeu onde queremos chegar, certo? Todas as relações vão trazer algo de novo à nossa vida e, nesse sentido, melhorá-la. Continuarmos a reprimir os nossos sentimentos e a fugir de tudo o que nos faça aproximar do grande bicho-papão que é a palavra amor vai fazer-nos perder experiências com pessoas com quem podemos ter uma conexão real.

E como já dizia Jane Austen: “Não tenho nenhuma intenção de amar as pessoas pela metade, não é a minha natureza”.

*Nome fictício, estas pessoas não quiseram ser identificadas.