“Mas eles querem que eles possam andar uns com os outros quando alguns têm 10 anos? Nós não podemos cair numa Casa Pia, com o devido respeito. Onde é que surgem as violações? Na camarata. E quem está na camarata? Pessoas do mesmo sexo. “

“Eles” são todos os que se têm manifestado contra a discriminação de alunos homossexuais, tal como foi admitida pelo subdiretor do Colégio Militar (CM) em declarações ao Observador. Em particular, o Bloco de Esquerda, que “parece que odeia o colégio”, e o ministro da Defesa, que “agiu muito mal”, diz Joana.

Joana é uma das encarregadas de educação do CM que não quis ser identificada. Esta mãe está indignada com a “grande confusão” que se criou à volta das palavras do responsável. E questiona: “O ministro gostava de ter um filho violado por causa da Constituição?”

São 689 os alunos do Colégio Militar. 423 rapazes e 266 raparigas. Para cada um deles, um encarregado de educação. Serão poucos os que não sabem da polémica que atirou a escola para a comunicação social, e são também poucos aqueles que querem falar sobre o ambiente que se vive na instituição.

“Queremos os nossos filhos em segurança”

“Na base de tudo isto está a salvaguarda que os mais velhos não molestam sexualmente os mais novos”, começa por referir a encarregada de educação. E acrescenta: “Dentro de uma escola em que o mais novo deve respeito ao mais velho, é preciso garantir que não há abuso sexual. Sendo certo que é mais difícil garantir isso numa camarata em que dormem todos juntos e nus”. Como foi explicado ao Observador na reportagem de 1 de abril, os mais velhos são responsáveis por acompanhar os mais novos. Devem ensinar-lhes as normas colegiais, ajudá-los a estudar e os graduados (os do 12º ano e alguns do 11º) têm também algum poder sobre os mais novos, como dar-lhes ordem para sentar e levantar no refeitório. “Agora imagine um aluno graduado que não se saiba conter. É esse o problema”, diz a mãe.

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Para a encarregada de educação, a “contenção” tem de ser especialmente eficaz durante a noite. “Nas camaratas há alunos do 12º e 11º a dormir com alunos do 5º ano, por exemplo. Dentro da camarata, no silêncio da noite, é preciso ter muito cuidado. Nós, pais, temos de ter a certeza que eles não os vão molestar. Para não se descobrir uma Casa Pia, onde os mais velhos violam os mais novos”. Por isso, para Joana, na base de toda a polémica não está a homofobia mas sim uma explicação “pouco clara” do subdiretor.

Nas camaratas, rapazes e raparigas andam à vontade. Vestem-se e despem-se, andam nus. Não pode haver assédio. Como eles são ensinados a obedecer aos mais velhos, nós temos de precaver que um mais novo com medo deixe que lhe façam coisas”, diz Joana.

Joana diz que “há vários ex-alunos homossexuais” — mas apenas assumidos depois de abandonarem o colégio — que “vão a jantares de curso, vão aos Natais e levam os companheiros” e quer provar assim a não-discriminação face à orientação sexual. Garante que conhece pelo menos um. E porque é que esse ex-aluno não fala? “Ele diz: eu vou dizer e depois ainda vou pôr mais achas na fogueira. Depois ainda acontece o contrário: os pais não querem pôr lá os filhos por lá haver homossexuais”.

“Está tudo normal”

No espaço do Colégio Militar, o 1º ciclo está longe do Batalhão, que é composto pelos alunos do 5º ao 12º. O burburinho quase não chega à zona dos mais novos. “Não se fala nada. Só sabemos o que se passa pela televisão”, conta uma mãe de um aluno daquele ciclo, ouvida pelo Observador. E as crianças daquele ciclo percebem o que se está a passar? “O meu miúdo vê muitas vezes o Colégio Militar na televisão e pergunta: ‘Mas houve festa?’ (risos). Eles são pequeninos, ainda não percebem. Têm mais com que se preocupar.”

Eles andam preocupados. Dizem que não conseguem estudar, não conseguem concentrar-se”, conta Joana.

Um funcionário do Colégio Militar diz, pelo contrário, que o ambiente está “pacífico”. A cada pergunta do Observador, faz cinco segundos de silêncio. Insiste no facto de o ambiente estar “normal”. “Os miúdos continuam a ir às aulas, os funcionários continuam a dar aulas”, nada se passa, a rotina é a habitual. O Observador contactou o diretor da escola, mas não obteve resposta.

Um outro encarregado de educação alinha na mesma lógica e diz que “a vida colegial está normal”, com “as alegrias e os problemas do costume”. O “problema” recentemente noticiado é uma exceção e é fruto de “uma ideia muito negativa da opinião pública relativamente ao Colégio Militar”. E a culpa pertence à “desinformação”. Mas o assunto não é falado? “Fala-se. Mas não abalou o colégio. A vida continua”. Joana, por fim, suplica: “Falta tão pouco para o fim do ano letivo. Por favor, deixem os nossos filhos acabar o ano em paz”.

*Nenhum dos intervenientes quis ser identificado.