O pão, por si só, é um alimento que sempre esteve presente nas mesas dos portugueses. Seja ao almoço ou ao jantar, são poucos os que resistem a um bom pedaço de pão para acompanhar a refeição. Não é por acaso que, em Portugal, há (quase) uma padaria em cada esquina para nos lembrar — com o cheiro do pão acabado de sair do forno — que a dieta mediterrânica é maioritariamente feita à base de trigo, centeio e milho.
A roda dos alimentos não mente e, segundo a Direção Geral de Saúde, devemos ingerir quatro a 11 porções por dia do grupo composto por cereais, arroz, massas… e pão (uma porção equivale a 50 gramas). Quem não concorda são os livros de alimentação saudável e os planos rígidos de emagrecimento que defendem, com unhas e dentes, que este alimento não deve estar em cima da mesa (mesmo ao lanche). Culpam o glúten — uma proteína presente no trigo, centeio, cevada e aveia –, desprezam o alto teor de sal e repreendem o seu elevado índice glicémico.
Mas será que temos de abdicar do pão se queremos seguir uma alimentação equilibrada e saudável?
“Não”, começa por responder Nuno Borges, professor na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto e membro da direção da Associação Portuguesa dos Nutricionistas.
À exceção de uma minoria de pessoas que não o pode comer porque tem uma determinada patologia de intolerância ao glúten ou doença celíaca, não há nenhuma razão ou estudo que defenda que devemos eliminar o pão da nossa alimentação.”
Então porque é que há uma autêntica luta cerrada contra o pão por estes dias?
Segundo a nutricionista Magda Roma, consumimos uma quantidade de hidratos de carbono cada vez maior. “Quando olhamos para a alimentação dos nossos avós, verificamos que no prato estavam presentes hortícolas, leguminosas e, quando possível, um pouco de peixe ou carne.” Aqui, o pão seria a principal fonte de hidratos de carbono. O problema é que hoje comemos pão (e cereais) ao lado de um prato de arroz, massa, batata e outros tubérculos cozidos. “Os pratos são cada vez maiores, a quantidade de hidratos também e assim já não fará sentido o pão à refeição. Só fará sentido se quiser aumentar o tamanho da roupa.”
Ângela Silva, autora de O Livro do Pão e fundadora da padaria biológica Miolo, tem outra perspetiva. “Preocupamo-nos com a questão de o pão engordar ou de ter sal em excesso, mas os verdadeiros males do pão são outros”, alerta. “A grande maioria dos pães à venda em supermercados e padarias é produzido industrialmente e não tem qualquer interesse nutricional.” Sejam carcaças integrais ou papos secos com sementes, o “rótulo destes pães supostamente ricos em nutrientes revela que são tão pobres e desinteressantes como os outros, para além de carregados de vitaminas criadas artificialmente, perfeitamente dispensáveis e até prejudiciais à nossa saúde.”
Foi precisamente este o motivo que levou Ângela Silva, uma apaixonada por pão, a lançar um livro com mais de 40 receitas para o fazer em casa à base de farinhas biológicas e fermentação natural. “Infelizmente, o pão que alimentou a minha infância é agora raridade produzida em algumas aldeias, para ser vendido em mercearias gourmet e lojas especializadas”, conta. Depois de frequentar um curso técnico de confeção, assustou-se com o uso de aditivos (e de farinhas processadas) e percebeu que não era aquilo que queria fazer.
O lema é produzir muito e rapidamente. Para isso utilizam-se variedades de trigo híbrido, muitas vezes manipulado geneticamente, enzimas suspeitas, aditivos ainda mais obscuros, quantidades absurdas de fermento químico e praticamente nenhum tempo de fermentação.”
Porque é que os problemas digestivos e o número de intolerâncias com o pão têm aumentado?
“A expansão da produção industrial de pães à base de trigo, entre outros produtos de panificação, desde os anos 60, coincidiu com o número crescente de queixas de reações alérgicas e problemas digestivos”, conta a autora de O Livro do Pão. É nele que explica que estes pães de trigo “não fermentam o tempo suficiente para realizar a pré-digestão necessária do glúten, e para piorar levam quantidades absurdas de fermento químico, só por si causador de inúmeras alergias”.
Desta forma, a origem do inchaço abdominal e as digestões difíceis poderão estar no processo de produção do pão e não no glúten em si. Ângela Silva recomenda que o ideal “será averiguar se a sensibilidade é de facto ao glúten se ao conjunto de fatores relacionados com a produção industrial de pão como o fermento químico, aditivos ou farinhas provenientes de cereal manipulado”.
O melhor a fazer é ler sempre com atenção os rótulos, procurando as alternativas mais saudáveis, sem fermentos químicos e aditivos.”
Já a gastroenterologista Alexandra Suspiro, destaca que “o que se pensa é que, tal como as alergias, a suscetibilidade de intolerância ao glúten esteja a aumentar na população ocidental”. No entanto, a especialista não descarta a possibilidade da expansão da produção industrial do pão ter contribuído para o aumento dos problemas digestivos ao longo do tempo. “É possível que as pessoas se tenham vindo a tornar intolerantes a outros aditivos e componentes químicos presentes no pão que não o glúten.”
Pão na dieta: sim ou não?
“A alimentação mediterrânica é uma das mais saudáveis e inclui os cereais e o pão na sua base da roda de alimentos. Por aí, já conseguimos ver que o pão e os cereais são importantes na nossa alimentação”, conclui Nuno Borges, membro da direção da Associação Portuguesa dos Nutricionistas. “No entanto, entre comer um pão branco e comer um pão feito com farinha integral, aquele que é feito com farinha menos refinada é mais favorável.”
A nutricionista Magda Roma concorda: “Opte por pão de farinhas alternativas como aveia, alfarroba, centeio, cevada e espelta. Se for integral melhor, pois a fibra dos cereais tem a capacidade de saciar e manter o bolo alimentar mais tempo em digestão.”
Ou seja, da próxima vez que encontrar um pão escuro na base da roda de alimentos, não estranhe.